Motorola Razr Maxx: um smartphone nota 10

Já gostei muito da Motorola, já deixei de gostar e, de uns tempos para cá, voltei a gostar. Muito. Passei mesmo a admirar a valentia com que deu a volta por cima, e a garra com que tem corrido atrás de alguns feitos técnicos notáveis. Um deles foi a lapdock lançada junto com o Atrix e que, acoplada ao celular, transformava-se num computador – com a vantagem adicional de carregar o telefone enquanto utilizada. A idéia não foi o sucesso que a empresa esperava, mas foi uma prova de criatividade e de boa engenharia. O povo do Google concorda comigo, tanto que anunciou, em maio deste ano, sua intenção de adquirir a companhia.
A última novidade da Motorola a chegar ao Brasil é o Razr Maxx, um aparelho praticamente idêntico ao seu irmão Razr, com a diferença que vem com uma bateria que dura quase dois dias, feito inédito em qualquer smartphone que eu conheça. As especificações técnicas continuam as mesmas: processador dual-core de 1.2 GHz e 16GB de memória interna com capacidade de expansão via cartão. A diferença de peso entre os dois é pequena, de 127 para 145 gramas. O Razr original é um celular bonito e bem acabado. Fazer um modelo igual com duas vezes mais bateria é sinal de que há alguém pensando seriamente nos novos lançamentos da casa. Foi preservado o que deu certo, e melhorado o que, há anos, é o calcanhar de Aquiles de todos os smartphones.
O problema das baterias é um dos paradoxos da indústria. Assim que os celulares foram lançados, eram tijolos imensos, justamente por causa delas. A Ericsson e a Motorola, remando contra a corrente, criaram os primeiros aparelhos miúdos. Os consumidores adoraram. Mas o que se ganhou em peso e volume perdeu-se em praticidade. As baterias não duravam nada, e quem quisesse falar mais de algumas horas tinha que levar baterias extras consigo.
Pouco depois, a Nokia resolveu o problema da carga dos celulares pequenos. E resolveu tão bem que, durante muito tempo, nenhum usuário Nokia precisou se preocupar com falta de carga no seu aparelho. Pois justamente quando tudo estava bem, apareceram os primeiros smartphones – e, com eles, o drama das baterias voltou ao cartaz. Os primeiros celulares não tinham nada além de telefone e de alguns serviços básicos como calculadora ou agenda de contatos. Os smartphones, porém, chegaram ao bolso dos usuários com alma de computador. Nasceram fotografando, se conectando à internet, exibindo filmes, checando o email e as mil e uma coisas sem as quais já não vivemos. Ao fazer tudo isso, infelizmente, chupam a bateria de canudinho.
O que significa que compramos os aparelhos encantados com as suas múltiplas funções, mas, quando as utilizamos, acabamos sem carga para dar sequer um telefonema. Todos já passamos pela situação aflitiva de evitar certas tarefas para conservar o fiozinho de energia que nos garante o celular até o fim do dia. Não há, portanto, como subestimar o feito da Motorola. O Razr Maxx é um daqueles aparelhos históricos, que marca a timeline dos smartphones.
Passei as duas últimas semanas usando um deles, e estou muito, muito bem impressionada. Para resumir a história, só tenho uma queixa: falta um botão dedicado para a câmera. Para o resto só tenho elogios. O acabamento é excepcional, em kevlar e Gorilla Glass, o que faz o Razr bom de pegar e de olhar. A tela de 4,3 polegadas em amoled é clara e oferece ótima resolução; a câmera de 8MP tem flash de LED e é a melhor que já encontrei num Motorola. É veloz, faz ótimas fotos e vídeos em full HD com 30fps. A interface é simples e intuitiva. Além disso, o Razr Maxx chega ao mercado rodando a versão mais recente e “redondinha” do Android, conhecida como Ice Cream Sandwich.
Em resumo: o Razr Maxx é, sem discussão, um dos melhores smartphones do mercado, tanto em termos de acabamento quanto de funcionalidade. E é, acima de tudo, a pedida certa para quem não agüenta mais baterias que acabam antes do dia.
(O Globo, Economia, 11.8.2012)

Mundo animal

Cuidar dos animais abandonados de uma cidade é obrigação do poder público — mas, quase sempre, acaba recaindo sobre os ombros de uns poucos cidadãos de bem, que resolvem tomar providências diante da situação precária dos quadrúpedes. Em todas as partes do mundo, voluntários têm um papel preponderante no cuidado dos bichos de rua: eles alimentam e medicam os que vivem em colônias, administram e mantém abrigos, inventam rifas e vaquinhas para levantar os fundos que sempre faltam. Sobretudo, eles fazem das tripas coração para dar conta do estresse que a função impõe. Bichos de rua estão expostos a todos os tipos de perigos e maldades, que atingem, por tabela, os seus protetores. É que, para as pessoas que cuidam dos animais abandonados, eles não são as criaturas anônimas que são para nós, transeuntes. Eles têm nome e biografia, têm história familiar, têm gostos e têm manias, exatamente como os seus primos de sorte que vivem em casas e apartamentos.
Na maioria das cidades, a prefeitura reconhece o trabalho inestimável dos voluntários, e considera-os aliados preciosos da administração. Não no Rio. Aqui os protetores são vistos como adversários, que às vezes são até ouvidos – para que, depois, se faça exatamente o contrário do que recomendam. A Secretaria Especial de Proteção e Defesa dos Animais, que nasceu como uma boa idéia, transformou-se, com o tempo, num órgão burocrático, que trata os animais como estatísticas, e não como vidas. Exemplos disso começam, a bem dizer, na porta de casa, com os gatinhos que vivem na sede da Prefeitura, na Cidade Nova.
Lá, durante muitos anos, viveu uma gatinha tricolor chamada Perla. Era mansinha, não chateava ninguém, era o xodó de todos. Até que, em fevereiro deste ano, foi presa numa arapuca montada pela Sepda e encaminhada à Fazenda Modelo. Nunca mais foi vista. Quando alguns funcionários seus amigos foram à FM à sua procura, disseram-lhes que ela havia fugido assim que chegou, mas essa é uma história mal contada, já que aquele abrigo foi projetado para evitar fugas.
Na semana passada, outro gatinho querido no prédio, um adolescente preto e branco, caiu em outra arapuca. Antes que tivesse o mesmo destino de Perla, uma das protetoras dos animais da Prefeitura, funcionária municipal há 20 anos, abriu a armadilha e deixou-o ir embora. Pouco depois foi chamada à sala do administrador do prédio, e exonerada da função gratificada que exercia.
Durante cerca de quinze anos, essa senhora cuidou dos gatos da prefeitura, sempre atenta ao seu bem-estar e à sua saúde. Alimentou-os, tratou deles, levou-os ao veterinário quando necessário – tudo do próprio bolso. Deveria ter sido apontada como exemplo de cidadania para os demais, e poderia ter sido poderosa aliada de uma administração inteligente. Em vez disso, foi hostilizada e prejudicada por oportunistas de plantão, que amanhã estarão pendurados num outro cabide de empregos qualquer.
Vocês podem dizer que, diante de todos os problemas da cidade, a história de alguns gatos e de uma funcionária pública é um caso pequeno, sem importância. Mas essa história aparentemente modesta é emblemática por mostrar como o poder público da nossa cidade vê os animais e as pessoas que deles se compadecem: como problemas a serem resolvidos com força bruta, sem inteligência, sem sensibilidade, sem transparência.
o O o
Um outro exemplo de como a prefeitura lida com os animais que, em tese, deveria defender. Na Vila da Penha existe um supermercado chamado Atacadão. Pois no forro deste supermercado instalaram-se alguns gatos abandonados. Como o forro é de placas de isopor, que se soltam com freqüência, vez por outra cai lá de cima um gato que fica andando desesperado pelas prateleiras até ser capturado pelos funcionários – que, para dizer o mínimo, não tratam animais com gentileza. Há relatos de verdadeiras atrocidades cometidas contra os indefesos bichanos.
Horrorizada com algumas cenas que presenciou, uma freguesa do Atacadão ligou para a Prefeitura, relatando a situação e pedindo ajuda.  Disseram-lhe que em quinze dias seria feita uma vistoria no local. Dito e feito. Dentro do prazo prometido, lá estava a prefeitura, que fez… nada. Na verdade, fez pior que nada: constatando a existência dos felinos, multou o supermercado. Os bichinhos continuam lá – se é que continuam —  à mercê do destino.
– Fico imaginando o que vai acontecer com eles, depois da multa – me escreveu a senhora que teve a má idéia de recorrer à prefeitura. — O que acha que acontecerá com os bichanos?
Ninguém precisa de muita imaginação para responder a essa pergunta. É crime maltratar e matar animais, mas, convenientemente, a prefeitura faz de conta que suas ações acontecem num universo paralelo, sem repercussões ou conseqüências. O Atacadão, multado, vai se livrar dos bichinhos, se é que já não se livrou. Melhor não perguntar como. Na próxima vistoria, não haverá um único gato para contar a história. E todos, gerente do supermercado e funcionários da prefeitura, dormirão o sono dos justos, contentes com a limpeza promovida.
(O Globo, Segundo Caderno, 9.8.2012) 

Luiz Carlos Barreto: uma vida de longuíssima metragem

Escrevendo em 2001 no livro “Passagem: a memória visual de Luiz Carlos Barreto”, Arnaldo Jabor concluiu que a vida de Barretão, como é conhecido, é um filme de longuíssima metragem, que começa no sertão e entra pelo milênio afora. A definição é perfeita. Nascido em 1928 na cidade de Sobral, no Ceará, ele continua cheio de projetos. Trabalha num livro de relatos autobiográficos e num de fotografias, está em cartaz no Instituto Moreira Salles como um dos fotógrafos da época áurea da revista “O Cruzeiro” e supervisiona a intensa produção da L.C. Barreto, que neste momento vai do longa “Flores raras”, história da relação de Elizabeth Bishop e Lota Macedo Soares dirigida por seu filho Bruno, a um documentário sobre os cem anos da Seleção Brasileira, passando por todo um conjunto de séries para a TV. Como concessão aos 84 anos, diz que começa a preparar sua aposentadoria – mas basta vê-lo no cotidiano da produtora para perceber que isso não é para já.
Ele chega para a entrevista um pouco atrasado, vindo de um almoço de trabalho. Na porta, encontra a filha Paula, que arruma a sua gravata.
– A Lucy e a Paula vivem me patrulhando – queixa-se, em tom de brincadeira.
– Claro! – responde Paula, produtora como o pai e a mãe. – É um gato, a gente tem que cuidar.
Para fazer as fotos, sobe e desce escadas com joelhos de menino. Quando observo como está bem, conta que, certa vez, Nelson Pereira dos Santos lhe disse que o homem não tem três idades, como reza a tradição, mas quatro: infância, maturidade, velhice e “você está muito bem”. Caímos todos na gargalhada, mas é fato: Barretão está ótimo.
Carioca desde 1947, foi jogador de futebol do Flamengo e do Canto do Rio e, em 1950, passou a trabalhar como repórter nos Diários Associados, primeiro na revista “A Cigarra” e, logo em seguida, na revista “O Cruzeiro”. Em pouco tempo trocou a reportagem pela fotografia, e foi correspondente em Paris, onde estudou cinema e literatura e onde se casou com Lucy, que lá estudava piano.
Em 1961, numa viagem à Bahia, conheceu Glauber Rocha, que então fazia seu primeiro filme, “Barravento”. Os dois ficaram amigos e Glauber o convenceu a trabalhar no roteiro de “O assalto ao trem pagador”, de Roberto Farias. No ano seguinte, fez a direção de fotografia de “Vidas secas”, de Nelson Pereira dos Santos – e não parou mais. Hoje tem mais de 80 filmes no currículo e uma estante de prêmios na sede da produtora. Emplacou dois candidatos a Oscar de melhor filme estrangeiro, “O quatrilho”, dirigido por Fábio Barreto, e “O que é isso, companheiro?”, dirigido por Bruno Barreto. Isso para não falar de “Dona Flor e seus dois maridos”, que até “Tropa de elite” foi a maior bilheteria do cinema brasileiro. Falar em bilheteria, aliás, é tocar num ponto crítico para todos os cineastas.
– Quando nós lançamos “Dona Flor”, o Brasil tinha 3.500 salas de exibição, — diz Barreto. – Hoje tem 2.200. “Dona Flor” entrou em cartaz junto com “O exorcista” e com “Tubarão”, e bateu a bilheteria dos dois. Hoje há blockbusters que chegam ao Brasil com 800 cópias. Faça as contas: 800 cópias e 2.200 salas… O pior é que a Ancine não exerce qualquer regulamentação em relação aos cinemas. No outro dia mesmo a Anatel foi em cima das operadoras de celular porque não estavam prestando um bom serviço aos consumidores. Mas quando 80% das salas são tomadas por dois ou três filmes, isso também é um desrespeito com o espectador!
Durante algum tempo, o jovem Luiz Carlos Barreto viveu dividido entre o cinema e o jornalismo. Em 1964, porém, depois de ser agredido por policiais enquanto tentava fotografar o presidente francês Charles De Gaulle, que visitava o país, resolveu deixar o jornalismo.
– Luiz Carlos Barreto foi uma das maiores estrelas jornalísticas do “Cruzeiro” — lembra o cineasta Cacá Diegues. – Ele chegou ao cinema justamente pelo texto (o roteiro de “Assalto ao trem pagador”) e pela luz (a fotografia de “Vidas secas”). Cearense acariocado, filho de Assis Chateaubriand com o Partido Comunista, de Macunaíma com o Padim Ciço, vagou pelos estádios do mundo atrás de Garrincha e Nilton Santos, cobriu cruzeiros chiques e tumultos proletários, flagrou Marilyn e os Kennedy, pescadores e pecadoras, até encontrar, numa longínqua praia baiana, o cineasta Glauber Rocha com uma câmera na mão e muitas ideias na cabeça. Uma delas era a de trazer o sertanejo cosmopolita para o seio de uma revolução chamada Cinema Novo. Não contente em apenas aderir, Luiz Carlos se tornou um de seus líderes mais importantes. E o resto é História.
Como disse Jabor, “Barreto é um daqueles homens que carregam um espelho nas costas, refletindo tudo por onde passam.”
o O o
A grande preocupação de Luiz Carlos Barreto, no momento, é a lei que estabelece a obrigatoriedade de exibição de conteúdo nacional pelas emissoras de TV por assinatura. Faz sentido. Ao longo de toda a sua carreira, ele sempre deu particular atenção à política do cinema, o que lhe rendeu afetos e desafetos em igual medida.
De acordo com a nova lei, as emissoras terão que exibir semanalmente, a partir de 2013, 3h30 de produção independente brasileira. A sua implementação, porém, começa já em setembro, com 1h30 por semana. Seria de se imaginar que, como produtor, Barretão estivesse muito contente. Mas, no mundo da cultura nacional, nada é simples. Ele se prepara para ir a Brasília, na companhia de outros produtores, para pedir um adiamento dos prazos. O problema é que não há como satisfazer a demanda que será criada com tantos entraves burocráticos à produção.
– Estamos vindo de três dias de discussões em São Paulo, — diz ele. – A lei é boa, mas precisa ser mais bem estruturada. Enquanto falamos de longas para canais como HBO e Telecine tudo bem, há suficientes filmes nacionais para suprir à demanda. Mas quando falamos de séries e, sobretudo, de programas infantis de animação, não temos sistemas de produção que consigam atender às exigências da lei com a qualidade a que o público de TV por assinatura está acostumado. Entre outras coisas, o ritmo da televisão requer um fluxo de financiamento menos burocrático. Não dá para desenvolver uma indústria através de editais.
Ele e seus colegas temem um novo “efeito curta”, ou seja, uma repetição das conseqüências desastrosas da famigerada Lei do Curta que, nos anos 80, obrigava as salas de exibição a passarem um curta nacional antes dos longas estrangeiros. Acontece que a maioria dos curtas era tão ruim que a lei acabou criando uma onda de má vontade contra o cinema nacional. A culpa, diga-se, nem sempre era dos cineastas: de olho na receita gerada pelos pequenos filmes, os exibidores passaram a produzi-los eles mesmos, criando autênticos monstros. O fato é que, às vezes, o que parece ser medida saudável à primeira vista acaba se revelando um desastre a longo prazo.
E como vai o cinema em geral? O velho produtor não anda muito entusiasmado com o que tem visto:
– O cinema virou um videogame, — queixa-se. — Quando não é efeito especial, é câmera especial. A narrativa cinematográfica deixou de ser importante. Antigamente a câmera na mão era exceção, tinha função narrativa. Hoje virou um truque para esconder a insuficiência do roteiro. E vai ficar cada vez pior, porque as novas gerações estão crescendo com essa estética e se viciando com essa linguagem fragmentada. Às vezes eu acompanho uma montagem e não consigo deixar de me perguntar o que exatamente está acontecendo, o que o espectador está vendo. Não é que eu seja partidário do naturalismo visual, mas é preciso manter um mínimo de coerência visual. A fragmentação está sendo levada a um extremo que prejudica a percepção.
Não há nada que se salve? Claro que há!
– Eu assisti recentemente ao filme “Violeta foi para o céu”, do chileno Andrés Wood, um exemplo de filme narrativo moderno, com grande dinamismo na montagem, sem perda de um segundo de percepção do que está sendo dito. O filme é uma cinebiografia, gênero em que é difícil fugir das fórmulas consagradas.  Mas o diretor conseguiu escapar com muito acerto de uma ordem cronológica. Ele mistura passado e futuro, mas faz isso tão bem que você não tem qualquer sensação de tempos trocados. É um filme lindo, deslumbrante.
E o cinema brasileiro? Vai bem: para Barretão, ele nunca esteve tão rico e diversificado quanto hoje. Depois do Cinema Novo e das gerações que o sucederam, mas sempre tendo-o de certa forma como referência, apareceu, finalmente, uma turma que não está nem aí para a tradição. Já não era sem tempo. Afinal, nenhum cinema deve viver só de referências ao passado. Mas ao bom momento criativo opõem-se uma quantidade nunca vista de entraves burocráticos.
– A relação cinema-estado involuiu dos tempos da Embrafilme para cá. Tornou-se muito burocrática. Estamos vivendo em golfadas. Aparece uma safra de filmes, depois passa-se um tempo sem que se tenham os filmes necessários ao mercado. Há uma gagueira na produção, e isso deve se agravar com a entrada em vigor da nova lei. Está faltando um novo modelo de relação cinema-estado.
Se depender dele, o modelo já está pronto, e segue o que foi adotado, com grande sucesso na agricultura – mas, para falar disso, nós precisaríamos de outra página inteira…
(O Globo, Rio, 5.8.2012)

Revendo o Instagram

Todas as redes sociais de fotografia começam do mesmo jeito, atraindo aficionados da arte que trocam imagens e mensagens entre si até que, aos poucos, acabam amigos. Foi assim com o Fotolog, com o Flickr, com o Instagram e com centenas de serviços menores. Os usuários costumam descobrir-se uns aos outros nas “áreas comuns” das redes, como a clássica seção das mais vistas do Fotolog ou das mais populares do Instagram. À medida em que essas comunidades crescem, porém, elas passam a atrair mais e mais pessoas que fogem do perfil desses primeiros usuários – tipicamente, adolescentes menos preocupados com fotografia do que com figurinhas, e de preferência de si mesmos. O resultado é que as áreas comuns, antes bom lugar para descobrir novos fotógrafos, acabam tomadas por imagens irrelevantes: garotas mostrando o look do dia, garotos posando com latas de cerveja, mãos com esmaltes de cores bizarras, fotos roubadas de revistas de celebridades. Os usuários antigos, desgostosos, choram a saudade dos velhos tempos nas caixas de comentários e, eventualmente, mudam-se com armas e bagagens para um serviço menos poluído.
O Instagram atravessa esse momento delicado. Na página de fotos  populares praticamente não há o que se aproveite, e as saudades do “velho Instagram” são tema recorrente nos comentários dos antigos usuários. Mas, em vez de se deixar vencer, eles estão partindo para a luta, desenvolvendo soluções que lhes permitam encontrar novas visões do mundo. O primeiro resultado concreto desse inconformismo é o aplicativo Instafocus, que chegou à Appstore no último dia 14 e que, numa interface clean ao extremo, apresenta fotografias cuidadosamente selecionadas. Seus criadores @glamagurl, @r3mus e @jeremyslens explicam porque o desenvolveram:
“Porque amamos o Instagram. Sério. Passamos várias horas por dia olhando fotos incríveis, comentando, dando likes e postando. Fazer parte dessa comunidade mudou a nossa vida para melhor. Mas ultimamente, com o crescimento do Instagram, passou a ficar cada vez mais difícil encontrar gente voltada para fotografia; gente que toma cuidado com a foto, com a edição e com o que posta.
Primeiro achamos que o Instagram estava estragado, e precisava ser consertado. Mas depois, percebemos que o Instagram é, e sempre foi, uma rede social, não necessariamente a respeito de “fotografia”, mas a respeito de pessoas compartilhando momentos das suas vidas.
Sim, mas — e os fotógrafos? Vamos deixar que eles desapareçam? Ou vamos tomar uma providência? Decidimos tomar uma providência. E assim nasceu o Instafocus, que não é a respeito de uma rede social, mas de pessoas comuns que, por acaso, fazem fotos realmente incríveis.”
O Instafocus é, essencialmente, uma galeria para instagramers. Ainda está passando por dores de crescimento, mas fica mais estável a cada dia. Josh Johnson, antigo usuário que criou o JJ’s Forum, um canto muito freqüentado da comunidade, percebeu o potencial da idéia, entrou em contato com os desenvolvedores e já anuncia uma versão do sistema para o grupo de usuários que comanda. No momento, faz pesquisas sobre o que eles gostariam de encontrar no aplicativo. Um dos itens mais discutidos entre os muitos que levantou é a questão dos celulares versus câmeras; há uma corrente ideológica bastante forte dentro do Instagram que é contra a postagem de fotos feitas com câmeras de verdade. Josh quer saber qual é a linha que o novo aplicativo deve seguir. Os resultados, por enquanto, apontam uma franca maioria favorável a câmeras e celulares – mas em galerias distintas. Logo em seguida vem a turma que acha que tudo é válido, e que o que importa é o olho do fotógrafo. Os radicais do “iPhone ou nada!” são, felizmente, minoria.
o O o
Começam a aparecer no Instagram as primeiras fotos feitas com o Pureview, da Nokia – o famoso celular com sensor de 41 Megapixels. Elas ainda são muito poucas para que se possa fazer uma avaliação real das qualidades do aparelho, mas o que vi até agora me impressionou muito bem. E não, ainda não existe Instagram para Symbian. As fotos postadas foram, primeiro, transferidas para celulares iOS e Android, e depois enviadas para lá.
(O Globo, Economia, 4.8.2012)

O papo da hora

Não sou de esportes, nem de televisão. Assistir esporte pela televisão, então, é o que há de mais estranho ao meu sistema operacional. Mas, a cada quatro anos, me planto diante da TV e assisto às provas mais esquisitas com o máximo interesse: viro especialista em badminton, em canoagem , em luta greco-romana. Não faço a menor questão de ser conseqüente. Conseqüentes devem ser os juízes das provas e os colegas que escrevem sobre esportes. Eu, felizmente, caio na categoria “grande público” — aquela que tem o sagrado direito de discutir todos os esportes, contestar todas as provas e decidir, por antecipação, se o Brasil vai ou não vai fazer uma abertura melhor do que a dos jogos londrinos.
Os amigos que consultei estão divididos. Uns estão em pânico desde já, achando que vamos pagar o mico dos micos; outros estão confiantes e, como a presidente Dilma, acham que um país com o nosso know-how em desfile de carnaval não tem nada a temer. Discordo dos pessimistas, mas não concordo com os otimistas. Temos alegria e criatividade suficientes para fazer um lindo espetáculo, que não precisa ser melhor do que o de Londres até porque “abertura dos jogos” não é modalidade de competição olímpica, mas também não é com uma escola de samba que “vamos abafar”.
Tirando isso, é muito difícil dizer o que é melhor ou pior em apresentações não só distintas como tão separadas no tempo. A abertura das Olimpíadas de Moscou, de 1980, que hoje parece datada e quase ingênua, foi grandiosa para a época (no You Tube com narração em russo, em bit.ly/OltALv). É possível determinar, tantos anos depois, se foi “melhor” ou “pior” do que a de Londres? Cada época tem as suas características, o seu gosto.
Uma boa abertura de olimpíada não é espetáculo que se compare com a abertura anterior, mas algo que mostre ao público do que é feito o país que a apresenta. Ela é boa ou ruim em termos absolutos, de acordo com a sua proposta inicial e com o empenho com que traduz essa proposta em grande show. O ponto alto da abertura que acabamos de assistir foi, para mim, a chegada da rainha escoltada pelo 007. Estava tudo lá, a tradição, o humor, as intermináveis histórias de espiões, os cachorrinhos. Só a Inglaterra tem uma figura de proa carismática o suficiente para descer de helicóptero num estádio sem ficar ridícula. O que podemos fazer “melhor” do que isso?
o O o
O ursinho Misha foi campeão entre os mascotes olímpicos. Terá sido “melhor” do que o estiloso Cobi, de Barcelona? E em que ponto da escala se situa o esquisitíssimo Wenlock?
o O o
Está oficialmente aberta a temporada de caça aos atletas olímpicos brasileiros. Nas caixas de comentário do noticiário e na timeline do Twitter eles têm sido sistematicamente agredidos e descascados como perdedores quando não conseguem medalhas. Ora, há apenas três medalhas em todas as provas, e bem mais do que três atletas para cada uma; isso significa que a imensa maioria dos que vão para as Olimpíadas não consegue medalha. Seriam todos perdedores?
Na verdade, qualquer atleta que chegue aos jogos olímpicos já é um vencedor. Pode não ser o melhor do mundo, mas com certeza faz parte da elite dos praticantes da sua modalidade. Já disputou e venceu inúmeros campeonatos nacionais e internacionais, e é admirado pelos colegas, que dariam tudo para estar no seu lugar. Mas para nós, pelo visto, nada disso tem importância.
Agora, se mal lhes pergunto, quais são mesmo as credenciais do Brasil para correr atrás do ouro? Com exceção do futebol, e mais recentemente do vôlei e do basquete, não temos qualquer tradição esportiva. Nossos atletas sofrem com falta de estímulo, de patrocínio e de equipamento. Muitos lutam com dificuldades que há tempos não fazem parte do show de seus colegas mais bem preparados: trabalham em empregos que não têm nada a ver com esporte, perdem preciosas horas de treino no trânsito, não têm dinheiro para nada. Para piorar a situação, ninguém se interessa pelo que fazem.
A televisão, que exibe à exaustão os jogos mais ridículos do campeonato brasileiro de futebol, sequer menciona as demais modalidades esportivas. Os atletas vão para as suas competições tranqüilos, ignorados pelo público e pela mídia. E aí vêm as Olimpíadas e, com elas, a luz dos holofotes e a atenção – na verdade, a cobrança – do país inteiro. Não há preparo psicológico que resolva isso.
Se os nossos jogadores de futebol, que contam com as melhores condições de treinamento e são celebridades full time, nem sempre conseguem marcar gol, como exigir dos demais atletas que obtenham um resultado para o qual não estão preparados?  Pensando bem, cada vitória brasileira é um autêntico milagre.
Se o Brasil realmente sonha em conquistar medalhas nos esportes olímpicos, deveria pensar neles com mais freqüência. Deveria ensiná-los nas escolas e dar às crianças mais talentosas condições ideais de treinamento. Sempre. Todo dia, ano após ano, em todo o território nacional. Exaltar o espírito olímpico mas só se lembrar dele a cada quatro anos não transforma ninguém em potência esportiva.
o O o
Faz algum sentido o McDonald’s como restaurante oficial das Olimpíadas?!
(O Globo, Segundo Caderno, 2.8.2012)

A vida online


Já disse isso algumas vezes, como sabem os meus proverbiais 17 leitores, e repito, mesmo correndo o risco de me tornar repetitiva: amo a internet. Muito. De paixão. Fico indignada quando a xingam e quando lhe atribuem males dos quais não é culpada. Se o lado ruim dos seres humanos se manifesta sem máscara online, o reverso é ainda mais verdadeiro. A rede nos permite ajudar pessoas distantes e acompanhar incontáveis boas ações pelo mundo afora.
No último dia 20 encerrou-se a campanha para levantar fundos para a inspetora de ônibus escolar Karen Klein, de Nova York, que foi humilhada por um bando de adolescentes cruéis. O bullying, postado por um dos bullies sem noção, revoltou a quem o assistiu, e levou Max Sidorov, do Canadá, a abrir uma página propondo a criação do fundo para que ela pudesse tirar férias daqueles garotos horríveis. Pois a campanha foi muito além do que qualquer um pudesse imaginar, e fechou em US$ 703.873 – o suficiente para que Karen, que aos 68 anos ganha pouco mais de US$ 15 mil anuais, possa, finalmente, se aposentar.
Se não fosse pela internet, o bullying sofrido pela inspetora teria ficado por isso mesmo; os bullies não teriam tido nenhum castigo; e as 32.271 pessoas que contribuíram para o fundo não teriam a satisfação de poder ajudar a uma velha senhora injustiçada. Mais importante ainda foi, certamente, a repercussão do episódio, que faz com que outros jovens cretinos pensem duas vezes antes de tripudiar dos outros.
Já no dia 23 registrou-se o primeiro ano da morte de Rachel Beckwith, uma menina de Seattle que, pouco antes do seu nono aniversário, criou uma página pedindo a amigos e parentes que não lhe comprassem presentes, mas, em vez disso, contribuíssem com a ONG charity:water, que leva água potável a comunidades de países em desenvolvimento (história completa em bit.ly/PF7ynd).
O objetivo de Rachel era conseguir US$ 300, para ajudar 15 pessoas. Ela conseguiu US$ 220. Cerca de um mês depois do aniversário, Rachel foi vítima de um acidente de trânsito. Nas notícias sobre sua morte, a página para a charity:water foi mencionada. A história se espalhou pela internet. Resultado: 31.997 doações, totalizando US$ 1.265.823, que beneficiaram, até agora, mais de 63 mil pessoas em 149 comunidades no norte da Etiópia.
A mãe de Rachel, Samantha, continua a campanha, agora em nome da outra filha, Sienna, que faz três anos no dia 22 de agosto. Seu objetivo é levantar US$ 90 mil. Acabo de olhar a página e, até agora, ela já conseguiu US$ 18.399.
Perguntei ainda agora, no Twitter, como vivíamos sem a internet.
‏@marco_azambuja: Aquilo era vida?
@rizzomiranda: Ué!?? A gente vivia? :) )
‏@Mendelski: Lendo mais, conversando mais com as pessoas próximas?
‏@pepecapacia: Jogávamos cartas, brinquedos da Estrela, visitávamos mais os amigos… essas coisas, que deixam saudades!
‏‏@arthurstorino: Acho que não vivíamos…
@Panelaterapia: #Enciclopediafeelings
‏@donalilian: Para receitas: vivíamos das costas da embalagem de creme de leite. :-P
‏@CindyValerious: Indo à biblioteca, usando o correio, lendo livros, usando o telefone, visitando os amigos. Hoje ninguém mais sabe fazer isso.
‏@adrianahora: Nós VIVIAMOS! rs
@kibeloco: Melhor?
@carolsimoes: Quando terminei a faculdade, em 2005, não tinha Youtube! Perdi registros de todas as entrevistas que fiz. A vida c/ web é mais legal.
‏@joseanibal_7: Certamente vivíamos um pouco pior… Hoje temos o mundo ao nosso alcance, on line e on time… Sensacional!
‏@MiriamGMendes: Diria que vivíamos menos estressados. Se por conta da ausência da avalanche de informações, não sei. Eram tempos mais calmos.
‏@codhec: Você ficava duas horas na fila do banco…
‏@zelblog: Com mais tempo livre.
‏@samegui: Mas acho que gastávamos este tempo livre ligando ou escrevendo pra amigos e procurando notícias.
Simocca ‏@Simocca37
@Simocca37: Não podemos e não devemos comparar as épocas. Ambas são especiais para quem continua vivendo…
As ilustrações vêm do Instagram: são desenhos de @ashley_623, de Beijing, China, para o Draw Something.
(O Globo, Economia, 28.7.2012)

Matilda e os cigarros

Não conheço a minha comadre Matilda Penna em pessoa. Faz tempo que não vou a Salvador, onde ela mora, e faz tempo que ela não vem ao Rio, onde moro eu. Nós nos conhecemos de blog, como acontece tanto hoje em dia, passamos a nos querer bem e viramos comadres porque a minha gata Matilda ganhou o nome dela. Minha comadre tem uma alma bonita, brasileira e delicada, que se revela quando ela escreve – e, embora não tenha escrito muito ultimamente, a alma continua lá, linda como sempre. Na semana passada, por causa da crônica em que lembrei o fumacê do século vinte, ela postou um longo comentário no internetc.:
“Ah! Cigarros…!
Comecei a fumar com treze anos (por que eu quis, ninguém influenciou, ao que me lembre), em mil novecentos e sessenta e sete, ano em que filmaram “Bonnie and Clyde”, “Belle de jour”, “Casino Royale”, “The graduate”, “You only live twice”, “Lo straniero”,”Todas as mulheres do mundo” e, principalmente, “Terra em transe”.
Ano tão lindo, Matilda tão linda, loura, jovem e baiana, fumava cigarros Elle, longos, dourados, tinha cigarreiras lindas, isqueiro Zippo dourado, que quase não usava, acendiam nossos cigarros, é, acendiam sim, naqueles anos enfumaçados, ao som de “Penny Lane”, “All you need is Love”, “To Sir, with love”, “There’s a kind of hush”, “Can’t take my eyes off you”, “I say a little prayer”, “San Francisco (be sure to wear flowers in your hair)”, “Somethin’ stupid”, but I love cigarros, o cheiro, a fumaça, o pegar entre os dedos e pensar, o segurar com os cotovelos juntos ao corpo e deixar queimar, era bom, fumar é bom, foi bom, se não fumasse nem tinha chance comigo, o cheiro era estranho, não seduzia, mas cigarro misturado com whisky (era assim que se escrevia, uísque ainda não existia) era altamente afrodisíaco, e eu gostava de cigarro, de fumar, afinal, num ano em que fizeram o primeiro transplante de coração, qualquer coisa que tivesse, mas ninguém falava ainda em ter, era só trocar, o mundo evoluia, e fumar era bom e Matilda era jovem e tudo era belo, eram anos lindos, altamente coloridos, pernas de fora, barrigas de fora, minhas lembranças são boas, coloridas, enfumaçadas, distaaantes….
Deixei de fumar em dois mil e dez, com cinqüenta e cinco anos (também porque eu quis, de repente, na virada do ano resolvi que não fumaria mais, e não fumei), foi o ano de “Comer, rezar, amar”, “Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 1”, “Toy Story 3”, enfim, não lembro bem de outros, estava mal, enfartei por falta de cigarro, perdi o que rolava pelo mundo, enfim, lembro de Justin Bieber (só do nome, acho que nunca ouvi nada e se ouvi, não guardei), restart das calças coloridas e acho que só, esse ano foi tumultuado para mim, descobri DPOC, descobri diabetes, menopausa, parei de comer açucares, gorduras, agora só como verduras, frutas, grelhados, cozidos, vinho sem álcool, parei de escrever, foi feito o primeiro transplante de cara do mundo, foi o ano do apagão no Nordeste, teve eclipse total do sol, eclipse lunar, Mario Vargas Llosa ganhou o Nobel, teve “Dalva e Herivelto: uma canção de amor” na televisão, eu enfumaçava os olhos às vezes de dor, às vezes de saudades, às vezes por nada mesmo, chorei muito, nunca mais fumei, foi difícil, foi duro, devia ter tomada algum remédio, foi na tora que comecei, foi na tora que deixei, começar foi fácil e prazeroso, deixar foi difícil, doido, conquistado.
Ainda gosto de cigarro, do cheiro, do cheiro de charutos, da fumaça, do ritual, do gestual, só não fumo mais, mas podem fumar perto de mim, não me incomoda, só não posso acender, sou viciada, não posso fazer isso, assim como podem comer feijoadas e broinhas e pães e bolos e brigadeiros junto de mim, só não posso comer nada disso, também sou viciada e comida, assim como cigarro, virou veneno para mim, o corvo gritou nunca mais e eu ouvi.
Agora sou avó de um e meio (outro ou outra para fim de fevereiro), agora uso pernas escondidas, nem sei onde fica a barriga (nem tento saber), cabelos grisalhos (não uso tinturas), mais magra, aprendendo a andar de novo, fazendo pilates, só sinto falta do escrever, que perdi, mas perdi a juventude também e não sinto falta dela. Agora está bom, mas está bom pelo passado, quer dizer, o que passei fez de mim isso, não me arrependo do cigarro, era outra época, outros costumes, outra Matilda.”
o O o
Várias pessoas falaram da sua relação com o cigarro lá no blog. Lilly, que fumou durante 45 anos, largou o fumo pela causa mais inusitada e engraçadinha:
“No dia 1° de junho de 2008 a gatinha de minha vizinha, de uns cinco meses, sumiu. Primeiro, procuramos na casa dela. Nada. Fomos para a rua debaixo de chuva, perguntando a todos que encontrávamos se tinham visto uma gatinha branca e preta… mas nada da Pitty. Fiz uma promessa a mim mesma que, se encontrássemos a gatinha, largaria de fumar no mesmo instante. Quando a minha amiga voltou para casa, revirou tudo e… achou a gatinha, dormindo numa gaveta que revistáramos milhões de vezes! Eram 17h30. Contente e já calma, fumei o último cigarro da minha vida. Presenteei a dona da gatinha com os maços intactos e uma porção de isqueiros.”
(O Globo, Segundo Caderno, 26.7.2012)

Lytro: a nova novidade

Image
Há alguns anos, fala-se numa nova tecnologia de imagem digital que, em vez de registrar pixels, registraria informações sobre o campo de luz visto pela objetiva. A vantagem disso seria dar ao usuário a possibilidade de reproduzir, na tela do computador, a exata cena vista pela câmera. Aí ele poderia tratá-la da mesma forma que tratamos a imagem que ainda não capturamos, decidindo onde fechar o foco. Em outras palavras, pela nova tecnologia o foco seria uma preocupação do passado, já que poderia ser ajustado a posteriori. No começo desse ano, uma câmera com essa tecnologia, a Lytro, foi apresentada à imprensa norte-americana. Ela chegou ao mercado em fins de março e agora, finalmente, seus primeiros resultados começam a aparecer no Instagram e noFlickr.
A Lytro é uma câmera diferente de todas as outras. Seu formato lembra uma barra de margarina. Numa das pontas fica a lente, na outra uma telinha touch-screen onde se pode ver o enquadramento e definir alguns ajustes. No meio do caminho, na parte de cima, o botão para disparar. Por trás dela está Ye-Ren Ng, que nasceu na Malásia há 32 anos, formou-se em Stanford e conseguiu atrair a atenção do falecido Steve Jobs com a sua visão radical da captura de imagens, primeira revolução real na forma como as lentes vêem o mundo em mais de cem anos. A tese de doutorado em que expunha a tecnologia que se transformou na Lytro ganhou um premio mundial da Associação de equipamentos de computação e permitiu a Ng que captasse mais de US$ 50 milhões para sua startup.
Assim que as vendas foram anunciadas, fiquei louca para comprar uma para mim. Por enquanto, a Lytro vem em duas configurações, com 16Gb ou 8Gb, a US$ 499 e US$ 399, respectivamente. O modelo mais caro é vermelho, e o mais barato vem em azul e cinza. Felizmente a loja online não faz postagem internacional, o que me poupou um bom dinheirinho e uma amarga decepção: com resolução de 1080 x 1080, muito grão e desempenho fraco em condições menos do que excelentes de luz, as imagens da Lytro ainda deixam muito a desejar. No momento em que mesmo as câmeras dos celulares baratos já oferecem ótimos resultados, é incompreensível que fotos feitas por uma câmera se apresentem tão fraquinhas.
Como conceito, a Lytro é interessantíssima. No dia em que a sua tecnologia for adotada por um dos grandes fabricantes de câmeras, ou mesmo por um dos grandes fabricantes de celulares, teremos um produto de fato cobiçável. Por enquanto, ela deve conquistar sobretudo amantes de gadgets que não imaginam a vida sem o último brinquedinho, ou apaixonados por cameras que curtem mais o equipamento do que o produto final.
(O Globo, Economia, 21.7.2012)

Esquadrilha da fumaça

Era assim: não havia lugar onde não se pudesse fumar. Médicos e pacientes fumavam nos consultórios, funcionários fumavam nas repartições públicas, professores e alunos fumavam nas salas de aula das universidades e, nas mesas dos restaurantes, cinzeiros faziam conjunto com a pimenta e o sal – que ainda tinha dignidade e não vinha nos pacotinhos absurdos aos quais foi hoje confinado. Apesar disso, havia fumantes que cultivavam o hábito repulsivo de apagar o cigarro na xícara de cafezinho. Em alguns bares e boates fumava-se tanto que o ar podia ser cortado com faca.
Nas redações todo mundo fumava, e praticamente não existia mesa que não tivesse as beiradinhas queimadas. Fumava-se nos ônibus e nos ônibus interestaduais, na barca de Niterói e nos aviões. Os bancos dos táxis ostentavam furinhos causados por brasas. Os cigarros permanentemente acessos dos personagens de “Mad Men” não são licença poética ou caricatura do passado, mas perfeita reconstituição de época. Nesse mundo coberto de fumaça, o estranho no ninho era o não-fumante, que estava em minoria e que, se tivesse a falta de juízo de reclamar do cigarro alheio, perigava ser visto como bicho do mato.
Afinal, fumar era uma atividade social. As pessoas fumavam juntas enquanto bebiam, enquanto conversavam e depois do jantar. O cigarro servia para começar uma conversa, passar uma cantada, fazer as pazes. Cada fumante tinha um isqueiro mais bonito do que o outro, e mesmo os que não usavam isqueiro, mas saiam com uma caixinha de fósforos boa para a batucada, mandavam um recado para os circunstantes. Por falar nisso, todos os hotéis, bares e restaurantes distribuíam caixas de fósforos, que muitas crianças (inclusive a vossa cronista) colecionavam.
Além disso, o que seria de Hollywood sem o cigarro? Mulheres fatais fumavam para realçar o charme; jovens fumavam para mostrar rebeldia; cowboys, gangsters e heróis fumavam, e a maneira como o faziam sublinhava o seu comportamento e as suas aspirações (com ou sem trocadilho). Desde o começo do século, o cigarro era — literalmente — cantado em prosa e verso. Um dos exemplos máximos das letras fumegantes é “Fumando espero”, tango dos anos 20 de Viladomat Masanas e Félix Garzó, que fez tanto sucesso na voz de Carlos Gardel que acabou ganhando versões pelo mundo todo, inclusive Brasil, na voz de Dalva de Oliveira.
A letra, hoje, é quase surrealista. “Fumar es un placer, genial, sensual…” Difícil imaginar que tenha sido escrita sem patrocínio da indústria! “Fumando espero a la que tanto quiero, tras los cristales de alegres ventanales, y mientras fumo mi vida no consumo, porque flotando el humo me suelo adormecer.” E o final, apoteótico: “Dame el humo de tu boca, dame que en mí, pasión provoca, corre que quiero enloquecer de placer, sintiendo ese calor del humo embriagador, que acaba por prender la llama ardiente del amor”.  A quem não conhece a música, recomendo uma busca no You Tube. Além de ser o retrato de uma época, o tango é uma beleza. Procurem também a interpretação preciosa de Sarita Montiel.
Suponho que o olfato de todos, fumantes e não-fumantes, era um sentido prejudicado. Só isso explica como suportávamos o fedor universal que nos cercava. Às vezes, tínhamos uns breves momentos de revelação catinguenta. Os meus aconteciam quando voltava do jornal, e entrava na minha casa cheirosinha. Em contraste, o cabelo e as roupas pareciam cinzeiros: até o interior das bolsas fedia, e eu precisava deixá-las ao sol para que não ficassem excessivamente ofensivas.
O jornalista italiano Giacomo Papi, autor de “Viver sem cigarro é possível, se você souber como” (Editora Objetiva, tradução de Joana Angélica d`Avila Melo) sustenta que, num futuro não muito distante, historiadores tentarão definir o século XX à luz dos cigarros acesos: “Não há dúvida de que, na longa lista das invenções e descobertas que modelaram o século, os cigarros ocupam um lugar fundamental, ao lado da eletricidade, do telefone, da televisão, do cinema, da energia atômica e da penicilina. E de que, mais ainda, a influência deles foi até mais profunda, impregnados como estavam nos mínimos hábitos, nos gestos cotidianos, nas ações e reações aos fatos comuns da vida. Os dedos do século XX são todos amarelados”.
Papi também prevê que, dentro de 50 anos, a memória do tabaco se perderá. Parecerá incrível, às pessoas de então, que tantas vidas tenham se perdido por causa do fumo, assim como hoje nos parece incrível que, antigamente, se usassem rapé e escarradeiras (eca!). A humanidade sempre teve um grande talento para o ridículo, e os bastõezinhos brancos através do qual encheu os pulmões de fumaça durante tanto tempo são apenas um capítulo a mais numa longa história.
“Viver sem cigarro é possível…” é um livro fininho e despretensioso, que peguei por acaso e sem muita fé. Não fumo, nunca fumei e, consequentemente, nunca tive qualquer dificuldade de viver sem cigarro – muito antes pelo contrário. Mas ao descrever as agruras dos fumantes, os párias do novo século, e contar como tentou abandonar o vício, Giacomo Papi acabou criando uma leitura leve, simpática e cheia de informações curiosas sobre o tabaco.
(O Globo, Segundo Caderno, 20.7.2012)

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