ENGENHARIA MICROESTRUTURA e PROPRIEDADES

materiais
Microestrutura e Propriedades Angelo Fernando Padilha
O presente texto tem caráter introdutório. Embora um autor não possa e nem deva determinar ou escolher seus leitores, ele foi escrito visando interessados que estão se iniciando no estudo da Ciência dos Materiais. Eles tanto podem ser estudantes de graduação dos três primeiros anos de Engenharia Metalúrgica ou de Engenharia de Materiais, como graduados em outras áreas, tais como Física, Química, Engenharia Mecânica, Engenharia Química e Odontologia, que estejam se iniciando na área de materiais.

A matéria é desenvolvida em 20 capítulos concisos. Nos capítulos iniciais é discutida a organização dos átomos na matéria (ligações químicas, sólidos cristalinos, sólidos amorfos e sólidos parcialmente cristalinos). Nos capítulos intermediários são abordados (com considerável detalhe) os defeitos cristalinos. Na parte final são discutidas as principais propriedades dos materiais. No decorrer de todo o texto procura-se relacionar a composiçã oeae strutura dos materiais com suas propriedades e usos.
A abordagem apresenta algumas ênfases. Por exemplo, os materiais cristalinos são tratados em maior detalhe que os amorfos e parcialmente cristalinos. Os materiais metálicos ocupam maior espaço que os cerâmicos, polimíricos e compósitos. As propriedades mecânicas são discutidas em maior detalhe que todas as outras. Estas ênfases foram ditadaspelaim-portânciaeconômica epelasaplicações.
Todos os capítulos apresentam lista de exercicios propostos e bibliografia.

ENGENHARIA MICROESTRUTURA e PROPRIEDADES
ENGENHARIA MICROESTRUTURA e PROPRIEDADES
Editoração Eletrônica: MCT Produções Gráficas
Capa: Sérgio Ng
Supervisão: Maxim Behar
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Todos os direitos adquiridos e reservada a propriedade literária desta publicação pela
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Impresso no Brasil / Printed in Brazil
Agradecimentos9
Apresentação1
1. Os Materiais de Engenharia13
2. O Átomo3
3. As Ligações Atômicas47
4. Estrutura Cristalina59
5. Direções e Planos Cristalográficos7
6. Determinação da Estrutura Cristalina89
7.Defeitos Puntiformes e SoluçõesSólidas103
8. Difusão no Estado Sólido121
9. Defeitos de Linha (Discordâncias)145
10. Defeitos Bidimensionais ou Planares181
13. Classificação e Quantificação das Microestruturas223
14. Principais Ensaios Mecânicos237
15. Propriedades Mecânicas251
16. Propriedades Elétricas271
17. Propriedades Térmicas289
18. Propriedades Óticas303
19. Propriedades Magnéticas317
20. Algumas outras Propriedades Importantes331
Agradecimentos
A preparação deste texto só foi possível graças à cooperação de várias pessoas e instituições.
Os alunos das disciplinas de graduação Ciência dos Materiais I e I contribuíram com numerosas correções e valiosas críticas e sugestões. Infelizmente, não anotei o nome de todos aqueles que colaboraram. Entretanto, dois alunos não podem ser esquecidos: Ricardo Santana Malteze RoselyErnesto.
Os alunos das disciplinas de pós-graduação Microestrutura e Análise Microestrutural e Introdução à Ciência e à Engenharia de Materiais contribuíram com seus criticismo e interesse.
Meus orientados de Doutorado, Mestrado e Iniciação Científica, Izabel Fernanda Machado, Fulvio Siciliano Jr., Julio Cesar Dutra, Hugo Ricardo Zschommler Sandim, Rejane Aparecida Nogueira, Ricardo do Carmo Fernandes e Maria Luciana Facci Urban, estiveram sempre dispostos paraajudar.
Os colegas de Departamento, Profa. Dra. Nicole Raymonde Demarquette, Prof.
Dr. Paulo Sérgio Carvalho Pereira da Silva, Prof. Dr. José Deodoro Trani Capocchi, Prof. Dr. Douglas Gouvêa e o Prof. Eng. Marcelo Martorano, me ajudaram a entender umpouco melhora Ciênciados Materiais.
Agradeço também aos colegas do IPEN-CNEN/SP, aos quais sempre pude recorrernos momentosde dúvida,particularmente ao Dr.Luis FilipeCarvalho Pedroso de Lima.
O texto foi cuidadosamente digitado e organizado por Maria Lucia Bastos
Padilha. Os amigos Dr. Jesualdo Rossi, Dr. Wolfgang Reick e M. Eng. Júlio César Dutra nos ajudaram muitas vezes a entender e dominar o nosso temperamental computador.
As Bibliotecárias Clélia de Lourdes Lara Meguerditchian e Claúdia Fernanda de Limafacilitaram eficientemente a obtençãode informações bibliográficas.
O amigoEnrique JoséGalé Polame incentivoucontinuamente. Agradeço também a Universidade de São Paulo, a Escola Politécnica e o Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais pela oportunidade de trabalho e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela Bolsa de Produtividade emPesquisaconcedida.
para Lucia
O Autor
O Engenheiro de Materiais Angelo Fernando Padilha é graduado pela
Universidade Federal de São Carlos, em 1974. É Mestre em Engenharia Metalúrgica pela EPUSP, em 1977, e Doktor-Ingenieur pela Universidade de Karlsruhe da Alemanha, em 1981. Trabalhou mais de uma década no IPENCNEN/SP. Foi Pesquisador Visitante no Instituto Max Planck para Pesquisa em Metais (Stuttgart) e Professor Visitante no Instituto de Materiais da Universidade do Ruhr de Bochum. Deu assessoria para várias empresas. É autor de cerca de 100 trabalhos publicados no Brasil e no exterior e de 4 livros. Desde 1988, é Docente do Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais da EPUSP,onde fez Livre-Docênciae éProfessorTitular.
Apresentação
O presente texto tem caráter introdutório. Embora um autor não possa e nem deva determinar ou escolher seus leitores, ele foi escrito visando interessados que estão se iniciando no estudo da Ciência dos Materiais. Eles tanto podem ser estudantes de graduação dos três primeiros anos de Engenharia Metalúrgicaoude Engenhariade Materiais, como graduadosemoutras áreas, taiscomoFísica,Química,Engenharia Mecânica, Engenharia Químicae Odontologia, que estejam se iniciando naáreade materiais.
A matéria é desenvolvida em 20 capítulos concisos. Nos capítulos iniciais é discutidaaorganização dosátomos namatéria (ligaçõesquímicas, sólidos cristalinos, sólidos amorfos e sólidos parcialmente cristalinos). Nos capítulos intermediários são abordados (com considerável detalhe) os defeitos cristalinos. Na parte final são discutidas as principais propriedades dos materiais.Nodecorrerde todoo textoprocura-serelacionara composiçãoe a estruturadosmateriaiscom suas propriedadese usos.
A abordagem apresenta algumas ênfases. Por exemplo, os materiais cristalinos são tratados em maior detalhe que os amorfos e parcialmente cristalinos. Os materiais metálicos ocupam maior espaço que os cerâmicos, poliméricose compósitos. As propriedadesmecânicassão discutidasemmaior detalhe que todas as outras. Estas ênfases foram ditadas pela importância econômica e pelasaplicações.
O leitor também poderá notar algumas lacunas e ausências. Não apresenta um tratamento termodinâmico dos fenômenos abordados, nem sequer os diagramas de fases dos materiais discutidos são apresentados. Também não é dada maior atenção para as transformações que ocorrem durante o processamento dos materiais. Estas ausências foram intencionais e são justificadas pela abordagem e pelo caráter introdutório do texto. Isto não significa, porém, que os tópicos não tratados sejam de menor importância. O autor planeja inclusive tratá-los em um outro volume, denominado Processamento e Transformações dos Materiais. As técnicas de análise microestrutural, importantíssimas em Ciência dos Materiais, também não foram tratadas com maior detalhe, pois são o tema central de outro volume de nossa co-autoria. Não foi incluída nenhuma micrografia real no presente volume. Todas as microestruturas apresentadas são esquemáticas e simples.
Acredito que os três volumes, o presente texto, o livro de técnicas de análise microestrutural, cuja segunda edição revista e ampliada está em preparação e o volume sobre processamento e transformações dos materiais (ainda em fase de concepção), deverão oferecer em conjunto uma visão razoável da CiênciadosMateriais.
O Autor São Paulo,janeirode 1997
Os Materiais de Engenharia
Segundo Morris Cohen, conceituado cientista de materiais do não menos conceituado Massachusetts Institute of Technology (MIT), materiais são substâncias com propriedades que as tornam úteis na construção de máquinas, estruturas, dispositivos e produtos. Em outras palavras, os materiais do universo que ohomem utilizapara “fazercoisas”.
Os materiais sólidos são freqüentemente classificados em três grupos principais: materiais metálicos, materiais cerâmicos e materiais poliméricos ou plásticos. Esta classificação é baseada na estrutura atômica e nas ligações químicas predominantes em cada grupo. Um quarto grupo, que foi incorporado nesta classificação nas últimas décadas, é o grupo dos materiais compósitos. Em seguida, descreveremos brevemente os quatro grupos acima mencionados.
Materiais metálicos
Os materiais metálicos são normalmente combinações de elementos metálicos.Eles apresentam umgrandenúmerode elétronslivres,isto é, elétrons que não estão presos a um único átomo. Muitas das propriedades dos metais são atribuídas a estes elétrons. Por exemplo, os metais são excelentes condutores de eletricidade e calor e não são transparentes à luz. A superfície dos metais, quando polida, reflete eficientemente a luz. Eles são resistentes mas deformáveis.Poristo são muitoutilizados em aplicaçõesestruturais.
Entre os quatros grupos de materiais mencionados anteriormente, os materiais metálicos, e em particular os aços, ocupam um lugar de destaque devido à sua extensiva utilização. Cerca de 70 dos 92 elementos da tabela periódica encontrados na natureza têm caráter metálico preponderante. Os metais mais tradicionais, tais como cobre, ouro e ferro são conhecidos e utilizados há alguns milênios.
No período entre 5000 e 3000 a.C., ou seja, dois milênios após a introdução da agricultura, surgiu uma série de invenções importantes. O homem desenvolveu o forno de “alta temperatura”, onde ele aprendeu a fundir os metais e a empregá-los para dominar os animais. Ele inventou o arado, a carroça, as embarcações, a vela e a escrita. No início da era cristã o homem conheciasete metais: cobre, ouro,prata, chumbo,estanho,ferro e mercúrio.
Embora a civilização clássica da Grécia tenha explorado quase completamente as possibilidades oferecidas pelos metais e outros materiais disponíveis desde eras precedentes, na produção de cerâmicas, joalheria, esculturas e arquitetura, eles pouco fizeram para inovar o campo dos materiais. O mesmo pode-se dizer dos romanos, que adquiriram uma grande reputação como engenheiros. Por outro lado, foram os romanos que disseminaram no seu vasto império o ferro como material propulsor da economia.
Um fato importante ocorreu em Mainz (Alemanha), onde Johannes Gutenberg (c.1397-1468) iniciou experiências com a fundição de tipos ou caracteres metálicos (chumbo) durante a década de 1440. Por volta de 1445, ele e seus colaboradores foram capazes de imprimir a “Bíblia de Gutenberg”. Sabemos muito mais sobre os processos de produção de materiais no século XVIdoque em épocasanteriores,devido à imprensa.
Em 1540, o italiano Vannocio Biringuccio publicou sua obra clássica
De La Pirotechnia. No seu livro ele trata da fundição e conformação de metais,além da fabricação de vidroe de pólvora.
Em 1556, foi publicada a obra também clássica de George Bauer (em latim, Georgius Agricola), denominada De Re Metallica. Ele viveu nas regiões da Boemia e Silésia e descreve detalhadamente no seu livro operações de mineração e defundição.
Outro avanço significativo na produção e utilização de materiais metálicos ocorreu com a fabricação dos aços com teor de carbono mais baixo e no estado líquido. Antes da década de 1860, o ferro maleável tinha sido sempre consolidado em temperaturas abaixo de seu ponto de fusão. Isto levava inevitavelmente à heterogeneidade na distribuição do carbono e ao aprisionamento de escória e outras inclusões. Esta descoberta, feita por Henry Bessemer em 1856, permitiu a produção de aço em grande escala e inaugurou uma nova fase na história da humanidade; a idade do aço. Quase todos os desenvolvimentos do século XIX se dirigiram para a produção mais eficiente dos materiais conhecidos há séculos.
14 CAPÍTULO 1
Até o século XIX praticamente nenhum uso dos materiais havia explorado algo além de suas qualidades mecânicas e ópticas ou sua resistência à corrosão. As únicas propriedades físicas amplamente medidas e relatadas quantitativamente na literatura científica eram ponto de fusão, densidade, dilatação térmica e calor específico. Propriedades mecânicas (exceto as constantes elásticas) pareciam ser muito variáveis para terem algum significado fundamental. A microestrutura das ligas era praticamente desconhecida. A metodologia de estudo das ligas consistia basicamente em atacar quimicamente com ácidos as diversas composições de um determinado sistema binário. Desta maneira, Karl Karsten noticiou em 1839 a descontinuidade na reatividade química de ligas com composição aproximadamente equiatômicasdosistema binário cobre-zinco.Mais tarde,descobriu-se que se tratava do composto intermetálico CuZn, conhecido como latão beta.
Mas a grande revolução estava a caminho: a observação microscópica da microestrutura dos materiais e correlação com suas propriedades. Isto começou no grande centro produtor de aço, em Sheffield, na Inglaterra. Henry Clifton Sorby, em 1863/64, observou a estrutura de rochas e de aços ao microscópio óptico. A superfície destes materiais tinha sido polida e atacada levemente com reagentes químicos.
Em 1895, eram descobertos os raios x. A difração de raios x, que possibilitou a determinação da estrutura cristalina dos materiais, foi descobertaem 1911/12.
De posse da metalografia óptica, da difração de raios x e de algumas técnicas indiretas como dilatometria e análise térmica, os metalurgistas puderam caracterizar as transformações de fase e as microestruturas delas decorrentes. A correlação das microestruturas com as propriedades foi uma conseqüência natural. O advento da microscopia eletrônica possibilitou melhores resoluções e a observação de detalhes e espécies não observáveis com o microscópio óptico.
A maioria dos elementos químicos foi descoberta nos últimos 250 anos (vide figura 1.1). Empregamos atualmente nos processos industriais a grande maioria dos elementos químicos, ao passo que, até um século atrás, com exceção de uns 20 deles, os mesmos eram curiosidades nos laboratórios de química.
MATERIAIS DE ENGENHARIA 15
Materiais cerâmicos
Os materiais cerâmicos são normalmente combinações de metais com elementos não metálicos. Os principais tipos são: óxidos, nitretos e carbonetos. A esse grupo de materiais também pertencem os argilo-minerais, o cimento e os vidros. Do ponto de vista de ligações químicas, eles podem ser desde predominantemente iônicos até predominantemente covalentes. Eles são tipicamente isolantes térmicos e elétricos. São também mais resistentes à altas temperaturas e a ambientes corrosivos que os metais e polímeros. Eles são muito duros,porém frágeis.
A argila foi o primeiro material estrutural inorgânico a adquirir propriedades completamente novas como resultado de uma operação intencional realizada por seres humanos. Esta operação foi a “queima” (sinterização) que tornou possível a obtenção de potes, panelas e outros utensílios cerâmicos,
Ano (D.C.)
Númer o d e el emento s de sc ober tos
Figura 1.1—Evolução do número cumulativo de elementos químicosdescobertos nos últimos doismilênios.
16 CAPÍTULO 1
com enorme impacto na vida e nos hábitos do homem. Segundo Kranzberg e Smith, este foi talvez o começo da engenharia de materiais. Estima-se que isto tenhaocorrido nooitavomilênio a.C.
A cerâmica vermelha (telhas, tijolos e manilhas) e a cerâmica branca (azulejos, sanitários e porcelanas) são constituídas principalmente de silicatos hidratados de alumínio, tais como caulinita, haloisita, pirofilita e montmorilonita. O óxido de ferro é que confere a cor avermelhada de muitos produtos cerâmicos.
A argila é usualmente plástica após ser suficientemente pulverizada e umedecida e é nesta condição conformada. Após a secagem, ela se torna rígida e adquire alta dureza após a queima em temperaturas elevadas. As cerâmicas tradicionais à base de sílica, alumina ou magnésia são também muito utilizadas como refratários em fornos e dispositivos utilizados na fusão e tratamentos térmicos dosmetais e ligas.
Enquanto as cerâmicas tradicionais são obtidas a partir de matérias primas naturais tais como argilo-minerais e areia; as cerâmicas avançadas são feitas a partir de óxidos, nitretos, carbonetos e boretos de alta pureza, têm composição definida e o tamanho, a forma e a distribuição das partículas são controlados. Por outro lado, o mercado mundial de cerâmicas tradicionais é pelo menos uma ordem de grandezamaior que ode cerâmicasavançadas.
Os vidros tradicionais são misturas de óxidos e devem ser classificados como materiais cerâmicos. Eles também são materiais bastante antigos. Por voltadoano 4000antesde Cristojá existiam vidrosdecorativosnoEgito. Em 1500a.C.,a produçãode vidros já estava relativamente estabelecida.
Em 1200 d.C., Veneza era a “capital do vidro”. Para proteger sua tecnologia contra ingleses e franceses, os venezianos transferiram em 1292 a produção de Veneza para a ilha de Murano.Os vidros desta época eram basicamente misturas de sílica, cal e soda. Pequenas adições de íons de cobalto, cromo, cobre, manganês e ferro causam grandes mudanças de cor. Por exemplo, a adição de apenas 0,15% de CoO confere ao vidro de carbonato de sódio a corazulescura.
O próximo grande desenvolvimento ocorreu com os chamados vidros ópticos. Em 1846, o mecânico Carl Zeiss e o professor de física Ernst Abbe montaram uma oficina de óptica em Jena, na Alemanha. Os estudos de Abbe mostraram que havia uma limitação básica para a resolução em um sistema óptico, relacionada ao diâmetroda lente e aocomprimento de ondada luz.
Em 1882, o químico recém-doutorado Friedrich Otto Schott juntou-se a eles. Schott havia concluído seu trabalho de doutorado com vidros de alta pureza e procurava para eles uma aplicação. Vidros de melhor qualidade e a
MATERIAIS DE ENGENHARIA 17 assessoria de um especialista em materiais era exatamente o que estava faltando aos produtos da oficina de Zeiss e Abbe. Os três dominaram o desenvolvimentodas lentes modernas e dos instrumentosóticos.
Nas últimas décadas do atual século ocorreram dois outros desenvolvimentos importantes na indústria do vidro, relacionados com a utilização de materiais reforçados com fibras de vidro e com as fibras ópticas usadas na transmissão de informações.
A grande maioria (9%) da produção atual, em peso, de vidros pertence
SiO2-Na2O- CaO. Dentre os tipos mencionados acima, o único desenvolvido no século
XXfoi ovidro à base de boro.
Os vidros inorgânicos apresentam ausência de ordem de longo alcance (são amorfos), têm propriedades isotrópicas, são transparentes à luz visível, podem ser formulados para absorver ou transmitir determinados comprimentos de onda, são isolantes térmicos e elétricos e amolecem antes de fundir, permitindoa conformaçãoporsoprode formas intrincadas.
Em 1960, foram produzidos pela primeira vez por Pol Duwez ligas metálicas amorfas; os chamados vidros metálicos. Estes materiais são estruturalmente similares aos vidros inorgânicos, mas apresentam as propriedades impostas pela ligação metálica.
Materiais poliméricos
Os polímeros são constituídos de macromoléculas orgânicas, sintéticas ou naturais. Os plásticos e borrachas são exemplos de polímeros sintéticos, enquanto o couro, a seda, o chifre, o algodão, a lã, a madeira e a borracha natural são constituídos de macromoléculas orgânicas naturais.
Os polímeros são baseados nos átomos de carbono, hidrogênio, nitrogênio, oxigênio, flúor e em outros elementos não metálicos. A ligação química entre átomos da cadeia é covalente, enquanto a ligação intercadeias é fraca, secundária, geralmente dipolar.
Os materiaispoliméricossão geralmenteleves,isolanteselétricos e térmicos, flexíveis e apresentam boa resistência à corrosão e baixa resistência ao calor.
Os polímeros naturais foram usados por milênios. Materiais naturais de origem animal ou vegetal, como madeira, fibras têxteis, crinas e ossos, são
18 CAPÍTULO 1 todos polímeros. Por outro lado, o desenvolvimento dos plásticos modernos ocorreu principalmente depois de 1930. Para que os plásticos modernos pudessemser desenvolvidos, a químicaorgânicateve que ser criada.
Até a década de 1820, predominava a chamada teoria da força vital: os compostos orgânicos só existiriam nas coisas vivas, enquanto os compostos inorgânicos seriamos constituintes de todos osminerais.
A síntese da uréia feita por Woehler, em 1828, a partir de compostos inorgânicos, liquidou com a teoria da força vital. Hoje em dia, existem mais de um milhão de substâncias orgânicas sintetizadas artificialmente, mas naquela época químicos importantes como Berzelius (1779-1848) receberam com ceticismo o anúncio feito pelo jovem químico Woehler. Por uma ironia da história, a expressão polímero foi criada por Berzelius, em 1832, em contraposição à isômero, para designar compostos de pesos moleculares múltiplos, ou de mesmo peso molecular, respectivamente. O termo polímero vem do grego e significa muitas partes.
A baquelita, descoberta em 1905, por Leo Hendrik Baekeland, foi a primeira dasérie dosplásticos sintéticos.Em 1935,M.W.PerrineJ.C. Swallow descobrem o polietileno. Em 1938, R.J. Plunkett descobre o politetraflúoretileno (PTFE). A maioria dos polímeros foi descoberta no período entre 1930 e 1950, mas a indústria dos polímeros não chegou à sua maturidade antesdosanos 60.Odesenvolvimentofoi,a partir daí, exponencial.
Existem vários tipos de macromoléculas:
• macromoléculas sintéticas orgânicas. Exemplos: polietileno, policloreto de vinila, nailone muitos outros “plásticos”.
• macromoléculas naturais orgânicas. Exemplos: algodão, madeira, lã, cabelo,couro,seda, chifre, unha e borracha natural.
• macromoléculas naturais inorgânicas. Exemplos: diamante, grafite, sílicae asbesto.
• macromoléculas sintéticas inorgânicas. Exemplos: ácido polifosfórico e policloreto defosfonitrila.
O petróleo e o gás natural são as duas principais matérias primas para a produção de plásticos. Na destilação fracionada do petróleo são obtidas diversas frações de hidrocarbonetos. A fração de maior importância na produção de plásticos é a nafta. Por exemplo, de cada 100 toneladas de petróleo pode-se obter cerca de 20 toneladas de nafta e pouco mais de 5 toneladas de polietileno.
Os polímerospodem ser classificadosem trêsgruposprincipais:
MATERIAIS DE ENGENHARIA 19
• termoplásticos. Podem ser repetidamente conformados mecanicamente desde que reaquecidos. Portanto, não só a conformação a quente de componentes é possível, mas também a reutilização de restos de produção, que podem ser reintroduzidos no processo de fabricação (reciclagem). Muitos termoplásticos são parcialmente cristalinos e alguns são totalmente amorfos. Exemplos típicos de termoplásticos são: polietileno,policloretode vinila(PVC), polipropileno e poliestireno.
• termorígidos. São conformáveis plasticamente apenas em um estágio intermediário de sua fabricação. O produto final é duro e não amolece mais com o aumento da temperatura. Uma conformação plástica posterior não é portanto possível. Não são atualmente recicláveis. Os termorígidos são completamente amorfos, isto é, não apresentam estrutura cristalina. Exemplos típicos de termorígidos são: baquelite, resinas epoxídicas,poliésteres e poliuretanos.
• elastômeros (borrachas). São também materiais conformáveis plasticamente, que se alongam elasticamente de maneira acentuada até a temperatura de decomposição e mantém estas características em baixas temperaturas. Os elastômeros são estruturalmente similares aos termoplásticos, isto é, eles são parcialmente cristalinos. Exemplos típicos de elastômeros são: borracha natural, neopreno, borracha de estireno, borrachadebutilae borracha de nitrila.
Oconsumo de polímerosem um país industrializado,como a Inglaterra, é predominantemente determoplásticos(5%),depois vem as borrachas (27%) e em seguida os termorígidos (10%) e outros produtos poliméricos (8%).
Osmaiores produtoresmundiaisdepolímeros são: EstadosUnidos (29%), Japão (12%), Alemanha (10%), Ex-URSS (6%), França (5%) e outros (38%).
O nível de desenvolvimento industrial de um país ou continente pode ser avaliadopelo consumo de plásticos,conforme ilustraa tabela 1.1.
20 CAPÍTULO 1
Tabela 1.1— Consumode plásticos em diversos países e regiões.
RegiãoTotal(milhões de toneladas)Por habitante(kg)
Materiais compósitos
Os materiais compósitos são materiais projetados de modo a conjugar características desejáveis de dois ou mais materiais.
Um exemplo típico é o compósito de fibra de vidro em matriz polimérica. A fibra de vidro confere resistência mecânica, enquanto a matriz polimérica, na maioria dos casos constituída de resina epoxídica, é responsável pela flexibilidade do compósito.
A matrizpode ser polimérica, metálicaoucerâmica. O mesmovalepara o reforço, que pode estar na forma de dispersão de partículas, fibras, bastonetes, lâminas ouplaquetas.
Os materiais compósitos são também conhecidos como materiais conjugados ou materiais compostos.
Amadeiraé um material compósitonatural,em que a matrize o reforço são poliméricos. O concreto é outro compósito comum. Neste caso, tanto a matriz como o reforço são materiais cerâmicos. No concreto, a matriz é cimento Portland e o reforço é constituído de 60 a 80% em volume de um agregado fino (areia) edeum agregadogrosso (pedregulho). O concreto pode aindaser reforçado com barras de aço.
A grande expansão no desenvolvimento e no uso dos materiais compósitosiniciou-sena décadade 1970,conforme mostraa figura 1.2.
MATERIAIS DE ENGENHARIA 21
Outros grupos ou tipos de materiais
Além dos quatros grupos principais mencionados anteriormente, existem alguns grupos emergentes de materiais, tais como: materiais semicondutores,materiais supercondutores, polímeros condutorese silicones.
Os materiais semicondutores têm propriedades elétricas intermediárias entre condutores e isolantes. Além disto, as características elétricas destes materiais são extremamente sensíveis à presença de pequenas concentrações de impurezas. Os semicondutores tornaram possível o advento dos circuitos integrados, que revolucionaram as indústrias eletrônica e de computadores nas últimas duas décadas. Os semicondutores podem ser elementos semi-metálicos puros como o silício e o germânio ou compostos como GaP, GaAs e InSb.
Os materiais supercondutores apresentam resistência elétrica desprezível abaixo de uma certa temperatura, denominada temperatura crítica. Eles podem ser tanto materiais metálicos como materiais cerâmicos. Os melhores supercondutores metálicossão geralmentecompostos intermetálicos,tais como Nb3Sn e Nb3Ge ou soluções sólidas tais como Nb-Ti e Nb-Zr. Mesmo os melhores supercondutores metálicos têm temperatura crítica muito baixa, menor que 23 K. Os condutores cerâmicos, descobertos recentemente, são óxidos mistos e apresentam temperatura crítica por volta de 100 K, mas a quantidadede correnteconduzida (correntecrítica) é muitobaixa.
Enquanto os polímeros condutores encontram-se em fase de desenvolvimento, os silicones já são amplamente utilizados na forma de óleos, borrachas e resinas.
Produção
Ano Figura 1.2— Evolução da produção de alguns materiaisnos EUA.
2 CAPÍTULO 1
Materiais tradicionais e materiais avançados
As transições da pedra para o bronze, e do bronze para o ferro foram revolucionárias pelo seu impacto, mas foram relativamente lentas em termos de escala de tempo.
As mudanças na inovação e na aplicação dos materiais ocorridas no último meio século, entretanto, ocorreram em intervalos de tempo que foram revolucionárias ao invés de evolucionárias.
A despeito disto, os materiais podem ser classificados em quatro níveis, conforme o grau de conhecimento científico utilizado no seu desenvolvimento.
Estaclassificação é apresentada abaixo:
I. Materiais naturais. Exemplos: madeira, couro, diamante, cobre, ligas ferrosas provenientes de meteoritos e borracha.
I. Materiais desenvolvidos empiricamente. Exemplos: bronze, aço comum, ferro fundido, cerâmicas sílico-aluminosas, vidro, cimento e concreto.
I. Materiais desenvolvidos com auxílio qualitativo de conhecimentos científicos, isto é, as considerações científicas orientaram seus descobrimentos e a interpretação qualitativa de suas propriedades. Exemplos: ligas mais antigas de alumínio, de titânio e de magnésio, metal duro, aços inoxidáveis, aços microligados, termoplásticos, termorígidos, elastômeros e ferritas.
IV. Materiais projetados (novos ou aperfeiçoados) quase que exclusivamente a partir de conhecimentos científicos e cujas propriedades podem ser quantitativamente previstas. Exemplos: semicondutores, materiais para reatores nucleares, aços de ultra-alta resistência mecânica, materiais compósitos reforçadoscom fibras, ligascom memóriade forma e vidrosmetálicos.
Neste ponto deve-se destacar que velho ou novo nem sempre tem relação direta com tradicional ou avançado. Por exemplo, um aço maraging, contendo um total de cerca de 30% em vários elementos de liga e que após sofisticados tratamentos termomecânicos, apresenta um limite de escoamento acima de 3 GPa, é um material muito avançado, embora as ligas de ferro tenham mais de 5 milênios de história. Por outro lado, a simples combinação de dois outrês compostosexóticos raramente leva a ummaterialavançado.
Finalmente, é importante destacar que o grau de conhecimento científico empregado no desenvolvimento de um material tem efeito determinante no seu preço e a capacidade de produzi-los é uma medida do grau de desenvolvimentotecnológico (e independência) de uma nação.
MATERIAIS DE ENGENHARIA 23
O preço dos materiais e dos produtos acabados
O preço talvez seja a principal característica de um material. Ao selecionar os materiais para um determinado produto acabado, além das exigências em termosde propriedades, oengenheirotem que levaremconta o preço.
A tabela 1.2apresenta opreço porquilo de alguns produtosacabados.
Tabela 1.2— Custoporquilode alguns produtosacabados (unidade monetária européia, ECU)
Produto Custo
Casas 1 Navios 5 Automóveis 10 Bicicletas 15-25 Aparelhos eletrodomésticos 40-100 Calçados esportivos 15-60 Aeronave civil1000 Satélites 15000
Aanálise databelaacimamostraclaramente que,porexemplo,na seleção de materiais para a construção civil, o fator preço é essencial. Inúmeros materiais apresentam propriedades muito interessantes para utilização em construção civil, mas têm sua utilização inviabilizada pelo preço.
Por outro lado, na construção de satélites, o preço dos materiais empregados pode ficar em segundo plano, em comparação com suas propriedades. Em outras palavras, neste caso, as propriedades dos materiais é que predominam dentreoscritérios de seleção.
A tabela 1.3apresenta opreço de numerosos materiaisde engenharia.
A análise da tabela 1.3 revela vários aspectos importantes. Um deles é que o preço de um material está relacionado com sua pureza, processamento e características. Isto pode ser notado claramente nos casos do carboneto de silício e do silício propriamente dito. Outro aspecto digno de ser mencionado é que a cerâmicas avançadas e materiais compósitos reforçados com fibra de carbono ainda são materiais muito caros. Por outro lado, o aço comum, o concreto e a madeira deverão ainda por muito tempo predominar como materiaisde construção.
24 CAPÍTULO 1
Tabela 1.3— Preçodealguns materiais deengenharia.
Material Preço (US$/tonelada)
Diamante industrial de alta qualidade 500.0.0 Platina 16.500.0 Ouro 14.500.0 Tungstênio 19.500 Titânio 8.300 Latão (60%Cu- 40%Zn)3.750 Alumínio 2.400 Aço inoxidável2.700 Aço doce350 Carboneto de silício (cerâmica avançada) 27.500 Carboneto de silício (abrasivos) 1.400 Carboneto de silício (refratários) 750 Vidro 750 Borracha sintética 1.400 Borracha natural870 Polietileno 1.100 PVC 1.0 Fibra de vidro1.500 Fibra de carbono45.0 Resina epoxídica6.0 Madeira compensada dura1.650 Madeira dura estrutural530 Madeira mole estrutural 350 Vigas de concreto reforçado 330 Cimento 70 Silício monocristalino (“Wafers”) 10.0.0 Silício metalúrgico 1.300
A comparação dos valores da tabela 1.2 com 1.3, embora as unidades monetárias sejam ligeiramente diferentes, mostra claramente que muitos materiais foram selecionados para suas atuais aplicações por critério de preço. Pense por exemplo, na construção de navios ou de carroçarias de automóveis com aço inoxidável.
MATERIAIS DE ENGENHARIA 25
A tabela 1.4 compara importantes materiais de construção em termos docusto relativode cadaunidade de resistênciamecânica(N/mm2).
Tabela 1.4—Preço relativo da unidadede resistênciamecânica (resistência à tração) de váriosmateriaisde construção.
Material Resistência (N/mm2)
Densidade
(g/cm3) Custo relativo
* Resistência à compressão
Energia e materiais
A demanda, a produção e o preço dos materiais estão estreitamente relacionados com o consumo de energia. O consumo de energia na produção de materiais é da ordem de 15 a 25% de toda a energia primária utilizada nas economias industrializadas. Quase todos os metais ocorrem na natureza combinadoscom outroselementosquímicos, istoé,na forma termodinamicamente mais estável. A sua extração e purificação (refino), assim como todo o seu processamento, exigem grandes quantidades de energia. A produção de metais consome aproximadamente 10% da produção total de energia. Apenas 5 metais (ferro, alumínio, cobre, titânio e zinco) consomem na sua produção mais de 80% desta energia. Os custos de energia representam uma parcela considerável do custo total de produção dos metais primários. Por exemplo, os custos de energia variam de 15% para o chumbo e atingem 45% para o níquel. Os materiais poliméricos sintéticos também exigem grandes quantidades de energia na sua produção. A tabela 1.5 apresenta valores de energia necessária paraa produçãode vários materiais.
A reciclagem é um parâmetro muito importante na indústria dos materiais, tanto do ponto de vista energético como do ambiental. O ganho energéti-
26 CAPÍTULO 1 co obtido com a reciclagem de alguns metais, como é o caso do alumínio e do cobre, ultrapassa 85%. Em outras palavras, a energia requerida para processarumacertaquantidadedestes metais a partirde material reciclado representa 15% da energia necessária para obter a mesma quantidade de metal a partir de fontes primárias. A economia de energia ou ganho energético é significativa para numerosos materiais: alumínio (92%), cobre (85%), borracha (71%), ferro e aço (65%), chumbo (65%), papel (64%) e zinco (60%).
Além do aspecto energético, a reciclagem permite a economia de matérias primas e possibilita a diminuição de rejeitos utilizados na lavra e no processamento de minerais. Por exemplo, cada tonelada de alumínio reciclado possibilita a preservação de 4 toneladas de bauxita que seriam necessárias para a obtençãode alumínioprimáriometálico.
Tabela 1.5—Energia necessária para a produção de alguns materiais (segundo R.C. de Cerqueira Leite e colaboradores).
Material Energia necessária (GJ/tonelada)
Aço bruto9,8-47 Ferro fundido 58-360 Alumínio 83-330 Bronze 97 Cobre 72-118 Chumbo 28-54 Cimento 4,5-8,1 Concreto reforçado 8,3-14,4 Cerâmica tradicional (tijolos) 3,4-6,0 Vidro plano 14-20 Fibra de vidro43-64 Polipropileno 108-113 Poliestireno 96-140 Polietileno 80-120 PVC 67-92 Papel 59
MATERIAIS DE ENGENHARIA 27
Finalmente, é importante mencionar que o dispêndio global de energia, com relação aos materiais, não depende apenas da sua produção mas também está relacionado com a sua aplicação. Por exemplo, a substituição do aço por plásticos e alumínio nos automóveis diminui o consumo de combustível, compensando a utilização de materiais que requerem maior energia na sua produção.
Conceituação de ciência e engenharia de materiais
Pode-se afirmar que a divisão dos materiais em diversos grupos e subgrupos tem origem industrial e que esta abordagem dos materiais em tipos estanques foi então absorvida pelas universidades. Boa parte dos cursos de engenharia metalúrgica, assim como das organizações e publicações técnicas e científicas ainda classificam os materiais metálicos em aços, ferros fundidose metais não ferrosos.
Os materiais cerâmicos, por sua vez, eram e ainda são freqüentemente subdivididos em cerâmica vermelha, cerâmica branca, vidros e cerâmicas especiais.
A abordagem dos materiais por grupos e subgrupos tem naturalmente vantagens e desvantagens. A principal vantagem é o estudo dos problemas e características específicos de cada material e a principal desvantagem é que estaabordagemconfere uma visão isolada de cada grupo.
Do ponto de vista científico, esta visão isolada “se esquece” de que as características e os fenômenos fundamentais, tais como termodinâmica, cristalografia, defeitos cristalinos e difusão, têm muito de comum em praticamentetodos osgruposde materiais.
Do ponto de vista de aplicações, ela não fornece a necessária visão geralem termosdeseleção de materiais.
Em termos de ensino, as disciplinas têm caráter mais descritivo e informativo. Esta abordagem será denominada enciclopédica neste texto.
Por volta de 1950, começou a se firmar uma conceituação mais fenomenológica da metalurgia, começando pelos princípios básicos e indo até aos processos de fabricação e aplicações.
28 CAPÍTULO 1
I. distribuição eletrônica ⇒ bandas de energia ⇒ fônons e fótons ⇒ propriedades térmicas, ópticas,elétricase magnéticas.
I. defeitos cristalinos ⇒ mecanismos de deformação plástica ⇒ propriedades mecânicas ⇒ conformação mecânica.
I. difusão no estado sólido ⇒ transformações de fases ⇒ mecanismos de endurecimento ⇒ tratamentos térmicos.
IV. termodinâmica e cinética ⇒ físico-química metalúrgica ⇒ processos metalúrgicos e corrosão.
Deve-se mencionar ainda que estes quatros ramos não são estanques, mas sim fortemente interligados. Por exemplo, os tratamentos termomecânicos são decorrentesde uma combinação de IIcom I.
Esta conceituação fenomenológica tem um embasamento mais científico e formativo que a conceituação enciclopédica, que é mais empírica e informativa. A conceituação fenomenológica significou um grande avanço na medida em que ela considera que os fenômenos fundamentais tais como difusão, deformação plástica, diagramas de fases e termodinâmica dos sólidossão similaresnosmetais e ligascomo um todo.
Estas duas conceituações, a enciclopédica e a fenomenológica, convivem até hoje, de maneira complementar, na maioria dos nossos cursos de engenharia metalúrgica. Nos currículos de engenharia metalúrgica as disciplinas enciclopédicas, tais como “metalografia e tratamentos térmicos dos metais ferrosos”, “metalografia e tratamentos térmicos dos metais não ferrosos”, “siderurgia” e “metalurgia extrativa dos metais não ferrosos”, convivem comas disciplinas fenomenológicas como “diagramas de fases”,“cristalografia e difração”, “transformações de fases”, “físico-química metalúrgica” e “corrosão”.
A ciência dos materiais surgiu na década de sessenta e estendeu a conceituação fenomenológica da metalurgia para os outros grupos de materiais. Pode-se afirmar também que a ciência dos materiais se afastou ainda mais da descrição enciclopédica dos materiais e se aproximou de outras ciências correlatas tais como física da matéria condensada, cristalografia, mineralogia, química, físico-química, mecânica dos meios contínuos e mecânica da fratura.
Neste ponto é pertinente questionar se realmente existe uma ciência dos materiais e, em caso positivo, se esta nova ciência tem um núcleo independente das ciências correlatas ou auxiliares mencionadas acima. Na opinião do cientista de materiais alemão Erhard Hornbogen (Instituto de Mate-
MATERIAIS DE ENGENHARIA 29 riais da Universidade do Ruhr de Bochum), existe uma ciência dos materiais e estaciência pode ser definida da seguintemaneira:
A ciência dos materiais se ocupa com as relações entre a microestrutura e as propriedades dos materiais. O núcleo desta ciência é o estudo da microestrutura dos materiais.
A microestrutura dos materiais (cristalinos) é, na maioria dos casos, constituída de fases cristalinas e de defeitos cristalinos tais como contornos de grãos, contornos de subgrãos, contornos de maclas, defeitos de empilhamento, interfaces, discordâncias e defeitos puntiformes. Alguns materiais, como as cerâmicas tradicionais, apresentam na sua microestrutura frações volumétricasconsideráveisde fasevítrea(amorfa)e de poros.
O conhecimento da estrutura, composição, quantidade, tamanho, morfologia, relações de orientação e distribuição das fases, assim como da natureza, quantidade e distribuição dos defeitos cristalinos, são de extrema valia para o entendimento e, às vezes, até para a previsão de numerosas propriedades dosmateriais.
Muitas propriedades dos materiais, tais como limite de escoamento, limite de resistência, tenacidade à fratura, resistência ao desgaste e resistênciaà corrosão são fortementedependentes da microestrutura.
Outras propriedades, tais como ponto de fusão, módulo de elasticidade, densidade e coeficiente de dilatação térmica, são fracamente dependentes da microestrutura. Estas propriedades são mais dependentes da distribuição eletrônica, do tipo de ligaçãoquímica predominante,e daestruturacristalina.
A microestrutura dos materiais é determinada basicamente pela sua composição e pelo seu processamento. Por exemplo, a microestrutura de uma liga metálica (e grande parte das suas propriedades) depende da sua composição química, do teor de impurezas, das condições de solidificação (da tecnologia de fundição empregada), do processo de conformação mecânica, dos tratamentos térmicos e assimpordiante.
A caracterização da microestrutura dos materiais exige naturalmente a utilização de numerosas técnicas complementares de análise microestrutural tais como difração de raios x, microscopia óptica, microscopia eletrônica de varredura, microscopia eletrônica de transmissão, microssonda eletrônica e numerosas técnicas indiretas.
A ciência dos materiais é o elo de ligação entre as ciências básicas e a engenharia de materiais. A transformação dos conhecimentos fundamentais da ciência dos materiais em tecnologia leva então à engenharia dos materiais, que trata do levantamento das propriedades macroscópicas e das aplicações
30 CAPÍTULO 1 objetivasdosmateriais.Nocurrículodoscursos de engenhariade materiais, o estudo da ciência dos materiais ocupa um lugar de destaque.
Deve-se a Morris Cohen, conceituado cientista de materiais do MIT, a seguinte definição:
Ciência e Engenharia de Materiais (CEM) é a área da atividade humana associada com a geração e com a aplicação de conhecimentos que relacionem composição,estrutura e processamentoàs suaspropriedades e usos.
Um modelo conveniente para representar a CEM é apresentado na figura1.3.Ele utiliza umtetraedro,noqual osquatrovérticesrepresentam: síntese e processamento, estrutura e composição, propriedades e desempenho.
Exercícios
1 Compare os três grupos (tipos) de materiais (metálicos, cerâmicos e poliméricos) quanto àsseguintes propriedades:pontode fusão,dureza, maleabilidade, densidadee resistividade elétrica.
2. Por que o desenvolvimento dos plásticos modernos ocorreu tardiamente em comparação com os materiais cerâmicose metálicos ?
3.O queémicroestruturade um material ? 4.O quesãomateriais avançados?
Figura 1.3—Representação daCEMcom auxílio de um tetraedro.
MATERIAIS DE ENGENHARIA 31
5. Faça uma lista dos principais fatores que influenciam o preço de um material. Ordene a sua lista de fatoresem ordem decrescente de importância.
6. Compare o preço das cerâmicas tradicionais com o preço das cerâmicas avançadas. Justifique a diferença.
7. Descreva com suas palavras e em não mais que 20 linhas a sua conceituação deciência dosmateriais.
8. O termo novos materiais é muito utilizado na imprensa, em artigos de divulgação científica e até em programas de governo. Você acha este termo adequado ? Justifique.
9. Qual a importância da reciclagem dos materiais ? Discuta pelo menos três aspectos.
10. Discuta a importância da disponibilidade do chumbo e do ferro para a construçãodas prensas de Gutenberg.
Bibliografia consultada
CYRIL STANLEY SMITH; A metalurgia como uma experiência humana, Tradução de JoséRobertoGonçalvesda Silva, UFSCar,São Carlos, 1988.
MORRIS COHEN (Editor) e JOSÉ ROBERTO GONÇALVES DA SILVA (Tradutor); Ciência e engenharia de materiais: sua evolução, prática e perspectivas. Parte I: A ciência e engenharia de materiais como uma multidisciplina, Segunda edição, UFSCar, São Carlos, 1987.
MELVIN KRANZBERG e CYRIL STANLEY SMITH; Materiais na história e na sociedade. Em: Ciência e engenharia de materiais: sua evolução, prática e perspectivas. Morris Cohen ( Editor), J. R. Gonçalves da Silva ( Tradutor ), UFSCar, São Carlos, 1988.
WILLIAM D. CALLISTER JR.; Materials science and engineering, Third Edition, John Wiley & Sons, New York, 1994.
ERHARD HORNBOGEN; Werkstoffe, fünfte Auflage, Springer-Verlag, Berlin, 1991.
Y. FARGE; Materiais do futuro: Uma evolução progressiva, Metalurgia & Materiais ABM, vol. 47, p. 322-330, 1991.
ROGÉRIO C. DECERQUEIRALEITE ecolaboradores;Nióbio umaconquista nacional,Livraria DuasCidadesLtda, São Paulo,1988.
WILSON TRIGUEIRO DE SOUSA; “Substituição do aço por polímeros e compósitos na indústria automobilística do Brasil: determinantes e conseqüências para o mercado de minériode ferro”, Tesede doutoramento, EPUSP,SãoPaulo, 1995.
32 CAPÍTULO 1
O Átomo
Introdução histórica
A constituição da matéria desperta a curiosidade do homem há milhares de anos. As primeiras reflexões sistemáticas que se tem notícia sobre esse tema remontam à época dos antigos filósofos gregos.
Alguns destes filósofos defendiam a idéia de que a matéria não é contínua,istoé,elaé constituída de pequenas partesdenominadasátomos.
O primeiro defensor da teoria atômica foi o filósofo grego Demócrito (520-440 a.C.), natural de Abdera, na Trácia e discípulo de Leucipo. Segundo ele, as grandes massas são compostas de corpúsculos indivisíveis, ingênitos e eternos. Demócrito também aparece na história do pensamento como o primeiro representanteformal domaterialismo e doateísmo.
Na verdade, o nome átomo foi introduzido por Epicuro (341-270 a.C.), natural de Samos, que adotou o materialismo atomista da escola de Abdera, ligeiramente modificado em um ponto. Os átomos, cujo movimento era, segundo Demócrito, fatal e necessário, têm, segundo Epicuro, a faculdade de se desviarem espontaneamente da linha reta.
Os filósofos romanos não acrescentaram nada de novo às idéias de
Demócrito, embora Tito Lucrécio Caro, por volta de 80 a.C., tenha dado no seu poema De rerum natura, forma rítmica às doutrinas de Epicuro. Lucrécio Caro eranoentantomuito melhorpoeta doque filósofo.
Por incrível que possa parecer, nos 17 séculos subsequentes, à exceção de uma ou outra citação isolada, nenhuma contribuição significativa à teoria atomísticada matéria foi feita.
Por volta de 1805, o cientista inglês John Dalton (1766-1844) formulou as leis das proporções definidas e das proporções múltiplas. A lei das proporções constantes é também conhecida como Lei de Proust em homenagem ao francês Louis Joseph Proust (1754-1826), que a enunciou pela primeira vez em 1801.
Combase nas leisponderais, Daltonelaborou a seguinteteoriaatômica:
i) a matéria é constituída de pequenas partículas chamadasátomos; i) o átomo é indivisível e sua massa e seu tamanho são característicos para cada elemento químico; i) oscompostossão formadosde átomosde diferenteselementos químicos.
ParaDalton,o átomoeraesférico,maciço, indivisível, homogêneo e sua massae seu volumevariavam de um elemento químicopara outro.
Em 1811, o italiano Amedeo Avogadro (1776-1856) complementou a teoria atômica de Dalton introduzindo o conceito de molécula. Mais tarde, em 1883, Sir William Thomson (1824-1907), Lord Kelvin, fez a primeira estimativa dotamanhodoátomose moléculas (cercade 10-8cm).
Em 1897, Sir J.J. Thomson (1856-1940) ao estudar os raios catódicos conseguiu desviá-los com um campo eletrostático, e determinou a relação da carga com a massa, e/m , para as partículas que os constituíam. A partir da comparação do valorobtidoparaos raioscatódicoscomresultados de experiências similares realizadas com íons de hidrogênio pode-se concluir que os raios catódicos são constituídosdeelétrons.
O modelo de átomo de J.J. Thomson
J.J. Thomsonhaviadescobertoexperimentalmentequeoátomo era constituído de partículas com carga elétrica positiva, denominadas mais tarde deprótons, e departículascarregadas negativamente,às quais eledeu onome de elétrons.
Em 1904, J.J. Thomson, seguindo sugestões de Lord Kelvin, formulou um modelo em que o átomo era uma esfera de eletricidade positiva e no seu interior estavam distribuídos os elétrons de carga negativa como as “passas dentro de um bolo”. Como a matéria é geralmente eletricamente neutra, considerou-se que o número de prótons e de elétrons devia ser o mesmo, a fim de se neutralizarem.
34 CAPÍTULO 2
O modelo de átomo de Rutherford
Ernest Rutherford (1871-1937) trabalhava em 1911 na Universidade de
Manchester (onde Dalton também foi catedrático) com espalhamento de partículas alfa por lâminas finas de diversos materiais. Como você deve estar lembrado, as partículas alfa possuem carga +2e massa4.
Auxiliado por Geiger e Marsden, ele chega a conclusão que a massa e a carga elétrica positiva do átomo estava concentrada em uma região central muito pequena (núcleo), e os elétrons girariam em torno do núcleo, atraídos eletricamente e formando a eletrosfera do átomo, à semelhança do nosso sistema planetário.
A figura 2.1 apresenta esquematicamente o modelo de átomo de Rutherford.
O modelo de Rutherford apresentava uma séria contradição. Os elétrons emmovimentoaoredor donúcleo deveriamemitir energia na forma de ondas eletromagnéticas, pois de acordo com a teoria clássica do magnetismo “toda carga elétrica acelerada irradia energia na forma de ondas eletromagnéticas”. Portanto, os elétrons perderiam energia neste processo giratório e se precipitariam sobre o núcleo do átomo, conforme ilustra a figura 2.2. Desta maneira oátomoentrariaemcolapso e a matéria estaria secontraindo!
Figura 2.1— Modelo de átomo deRutherford.
OÁ TOMO 35
O modelo de átomo de Bohr
O jovem físico dinamarquês Niels Henrik David Bohr (1885-1962) trabalhava em 1913 sob orientação de Rutherford em Cambridge. Ele tentava interpretar osespectrosde absorçãoda luz observados experimentalmente.
A mecânica clássica não conseguia explicar a ocorrência dos referidos espectros. Para explicar os resultados obtidos, ele estabeleceu postulados que mais tarde seriam obtidos a partir da mecânica quântica. As bases da mecânica quântica tinham sido propostas pelo físico alemão Max Planck (1858- 1947)em 1900e somenteem 1926estateoriaestaria praticamente completa.
O primeiro postulado de Bohr afirma que os elétrons de um átomo somente podem mover-se em determinadas órbitas circulares ao redor do núcleo sem absorveremnememitirem energia (vide figura 2.3).Átomos grandes apresentam até 7 destas órbitas, que receberam o nome de níveis eletrônicos. A partir do núcleo tem-se os seguintes níveis ou camadas com os respectivosnúmerosmáximosdeelétrons apresentados entreparêntesis: K(2), L(8), M(18), N(32), O(50), P(72) e Q(98).
O segundo postulado de Bohr afirma que, em circunstâncias apropriadas, o elétron pode passar de um nível para outro. Por exemplo, fornecendose energia (calor, eletricidade, etc.) a um átomo, um ou mais elétrons podem absorver esta energia passando para estados energéticos mais elevados. Se o átomoadquireenergiasuficiente,o elétron pode separar-se do átomo, ficando
Figura 2.2—Oelétron precipitando-se sobreo núcleo do átomo. 36 CAPÍTULO 2 este ionizado. Em caso contrário, se o elétron passa de uma órbita de maior energia para uma órbita de menor energia, como conseqüência desta transição eleemitirá radiação.
A energia radiante, emitida ou absorvida aparecerá como um fóton de freqüência ν, segundo a equação:
Ei − Er = hν
onde
Ei = energia inicial;
Ef = energia final; h=constante de Planck (6,626210-34Js) ν = freqüência da radiação.
Se Ef > Ei , o átomo absorverá um fóton. Se, ao contrário, Ei > Ef emitirá um fóton. Nos dois casos, o fóton terá freqüência proporcional à diferença de energia.
A teoria de Bohr foi mais tarde generalizada e modificada com base na mecânica quântica. Apesar da sua grande importância, a teoria de Bohr não foi capaz de explicar alguns problemas relevantes como por exemplo, a não ocorrênciade transições entre determinados estadosestacionários.
Hoje se sabe que a mecânica clássica, usada por Bohr, jamais poderia explicar satisfatoriamente as propriedades dos elétrons nos átomos.
Figura 2.3— Representaçãodoátomo de alumínio segundo o modelo de Bohr.
OÁ TOMO 37
O modelo de átomo de Sommerfeld
O físico alemão Arnold Sommerfeld (1868-1953) propôs, em 1916, que os elétrons de um mesmo nível não estão igualmente distanciados do núcleo porque as trajetórias, além de circulares, como propunha Bohr, também podem ser elípticas.
Sommerfeld, manteve invariável a primeira órbita circular de Bohr, mas adicionou uma órbita elíptica à segunda órbita circular e duas órbitas elípticas à terceira. Nas trajetórias elípticas, o núcleo do átomo se localiza num dosfocos da elipse.
Esses subgrupos de elétrons receberam o nome de subníveis e podem ser de até 4 tipos: s, p, d e f. Esta designação deriva do inglês: s (“sharp”); p (“principal”); d (“diffuse”); f (“fine”). O número máximo de elétrons em cada subnível é 2, 6, 10 e 14, respectivamente. A representação mais utilizada
O diagrama de Pauling
A distribuição eletrônica em níveis e subníveis é facilitada pelo uso do diagrama de Linus Carl Pauling (1901-1992), o qual é particularmente útil para átomosgrandes.
K1 s L2 s 2p M3 s 3p 3d N 4s 4p4 d4 f O 5s 5p5 d5 f P6 s 6p 6d Q7 s
Por exemplo, os 1 elétrons do sódio (Na) devem ser distribuídos da seguinte maneira:
38 CAPÍTULO 2
Existe um número grande de elementos químicos com número atômico alto, que apresentam determinados subníveis incompletos. Estes elementos são denominados elementos de transição. Um exemplo típico é o átomo de ferro (Z = 26). Ele apresenta a seguinte distribuição eletrônica:
Embora osubnível 3dpossareceberaté 10elétrons,2elétronsdo subnível 3d acabam ocupando o subnível 4s. O subnível 3d só será totalmente ocupado nocasodocobre (Z =29):
29Cu: 1s2 2s2 2p6 3s2 3p6 3d10 4s1
Os elementos de transição, devido às suas distribuições eletrônicas incomuns, apresentam propriedades características, tais como ferromagnetismo e anomalias no ponto de fusão, nas constantes elásticas e nas suas ligações químicas.
Quando se faz um tratamento teórico com auxílio da mecânica quântica para descrever o átomo aparecem quatro números quânticos: número quântico principal, número quântico momento angular orbital, número quântico orbital magnético e número quântico magnético de spin do elétron. O mais importante deles, como o próprio nome sugere, é o número quântico principal, que define a energia do átomo. Em 1925, o físico austríaco Wolfgang Pauli (1900-1958) propôs que dois elétrons num átomo não podem ter os mesmosnúmeros quânticos(Princípio daexclusãode Pauli).
A figura 2.4, apresenta, em uma representação esquemática, as energias relativas dos elétrons nos diversos níveis e subníveis em um átomo. Em um sólido contendo muitos átomos, os níveis e subníveis da figura 2.4 dão origem às chamadas bandas de energia, que explicam o comportamento dos isolantes, condutores e semicondutores.
A dualidade do elétron
Em 1924, o francês Louis Victor De Broglie (1892-1987) propôs que em determinadas circunstâncias as partículas se comportariam como ondas. Portanto, quando um feixe de elétrons atinge a superfície de um cristal (rede cristalina) ele deveria sofrer difração. Isto foi observado experimentalmente logo em seguida (1927).
OÁ TOMO 39
Ao interpretar o comportamento onda-partícula do elétron, o físico alemão Werner Karl Heisenberg (1901-1976) formulou o chamado princípio da incerteza, segundo o qual não é possível expressar comexatidãoa posição e a quantidade de movimento do elétron em um átomo com uma precisão menor que a constantede Planck:
∆p=incerteza na quantidadede movimentolinear.
Enquanto a mecânica clássica de Newton supõe que é possível medir com exatidão no mesmo instante a posição e a velocidade, ou seja, a quantidade de movimento linear, a mecânica quântica estabelece que isto não é possível e essas variáveis só podem ser tratadas em termos de probabilidades. Assim, a mecânica clássica fala em raio do átomo, enquanto a mecânica quânticafala dovalor mais prováveldoraio.
Figura 2.4—Energia dos elétronsdosdiversos níveise subníveis. 40 CAPÍTULO 2
A figura 2.5 apresenta os dois modelos. Do lado esquerdo (a) é apresentado o modelo clássico de átomo de Bohr e do lado direito (b) é apresentado o modelo quântico. No modelo quântico, o elétron pode ser visualizado como uma espécie de “névoa de eletricidade” ao invés de uma simples partícula.
Alguns números importantes
Todos os átomos, com exceção do átomo de hidrogênio, possuem uma massa maior do que a que teriam, se fosse levado em conta apenas o número de prótons de seus núcleos. Em 1932, James Chadwick descobriu outra partícula denominada nêutron.
Cada átomo consiste de um núcleo muito pequeno, composto de prótons e nêutrons (núcleons). Este núcleo é envolvido pelos elétrons. Os elé-
Figura 2.5—Comparaçãoentre o modelo clássico de Bohr (a) e o modelo quântico (b) em termos de probabilidade.
OÁ TOMO 41 trons e os prótons tem carga idêntica (1,6022 10-19 C), mas de sinais opostos. Os nêutronssão consideradoseletricamente neutros. Os prótonse osnêutrons têm aproximadamente a mesma massa (1,6725 10-27 Kg), a qual é cerca de 1836vezesmaiorquea massa doelétron(9,1095 10-31Kg).
Por definição, o número atômico (Z) de um elemento químico é o número deprótons queexisteno seu núcleo
Também por definição, o número de massa (A) de um átomo é a soma de seus prótons e nêutrons. O número A não é conceitualmente a massa de um átomo, mas é uma indicação bastante aproximada dela. A massa atômica ou peso atômico é o peso médio dos átomos neutros de um elemento. Na maioria dos casos, ela resulta de vários isótopos ( átomos com mesmo númerode prótonse diferente númerode nêutrons).
Outro número muito importante é o número de Avogadro (6,0220 1023), que representa o número de átomos que há em um átomo-grama de um elemento. Também representa o número de moléculas que há em uma molécula-grama.
O núcleo do átomo
O núcleo do átomo é uma parte muito pequena (da ordem de 10-13 cm), extraordinariamente densa e carregada positivamente. Conforme mencionamosacima, o núcleoé constituído deprótons e nêutrons,denominadoscoletivamente como núcleons. Em um átomo eletricamente neutro, o número de elétrons é igual ao número de prótons. O número de prótons de um átomo identifica o elemento. Os isótopos de um elemento têm as mesmas propriedades químicas mas têmmassasdiferentes.
A massa do núcleo dos átomos é um pouco menor que a soma das massas dos prótons enêutronsque osconstitui. Estadiferençade massa(m)é liberada na forma de energia (E), de acordo com a equação da equivalência entre massa eenergia deAlbert Einstein(1879-1955):
onde:
Eé a energia liberada; mé a variação de massa; cé a velocidade da luz (2,9979⋅108m/s).
42 CAPÍTULO 2
A partir da diferença de massa mencionada acima, pode-se calcular a energia de ligação pornúcleon.
Existem vários modelos propostos para explicar a estabilidade do núcleo e a natureza das forças nucleares. Um destes modelos foi proposto por Bohr em 1936 e estabelece a analogia entre o núcleo dos átomos e uma gota de líquido (modelo da “gota líquida”). Segundo este modelo, os núcleons seriammantidosunidos poruma espécie de tensãosuperficial.
Atualmente, são conhecidas mais de 200 partículas elementares. Uma delas, os píons,foi descobertapelo físicobrasileiro CesarLattes.
A tabela periódica
Dimitri Ivanovich Mendeleyev (1834-1907) criou a tabela periódica dos elementos em 1 de março de 1869, aliás, em São Petersburgo (Leningrado), que utilizava ocalendário Juliano, já era17de fevereirode 1869.
Naquela época, eram conhecidos apenas 63 elementos. Hoje são conhecidos 107 elementos, sendo 92 naturais. Ele preparou 63 cartões, um para cada elemento, nos quais ele colocou as propriedades físicas e químicas que ele julgou mais importantes. Depois de muito experimentar, ele conseguiu ordenar os cartões de acordo com as massas atômicas dos elementos e no arranjo obtido os elementos das colunas e linhas apresentavam suas propriedades ordenadas de maneira lógica. Hoje se sabe que as propriedades dos elementos sãofunçõesperiódicasde seus númerosatômicos.
A grande contribuição da tabela periódica de Mendeleyev para a química foi a sua habilidade em prever a posição de elementos desconhecidos, para osquaiseledeixou posições vagasnasua tabela.
Em 1864, John Newlands também já tinha mostrado a periodicidade dos elementos, mas seu artigo foi recusado pela “London Chemical Society”. Um dos membros dessa sociedade científica chegou afirmar que a ordem alfabéticaeramaislógicaque a tabelaproposta porNewlands.
Para convencer o mundo científico do valor da sua tabela, Mendeleyev previu teoricamente as propriedades de elementos desconhecidos, interpolando os valores das propriedades dos 4 vizinhos da lacuna. As suas previsões foram sendo confirmadas e a tabela adquiriu rapidamente grande respeitabilidade.
Com o auxílio da tabela periódica, o estudo da química torna-se muito mais sistemático. A organização da tabela periódica está relacionada com a
OÁ TOMO 43 configuração eletrônica dos átomos. Cada período, ou linha horizontal, começacomumelemento quetemum elétron devalênciadotipos.Os elementos na tabela são colocados em ordem de seus números atômicos, formando colunas sucessivas, ou famílias, ou ainda grupos baseados em configurações eletrônicas com um “miolo” completo seguido de orbitais s, p, d e f com vários graus de ocupação, conforme ilustraa figura 2.6.
Exercícios
1. Segundo a teoria atômica de Dalton, os átomos de um determinado elemento são idênticos em massa e tamanho. Critique estaafirmação.
2.Porque uma lâmpadaemite luz quando acesa?
3. É possível identificar um elemento químico por meio da tonalidade (comprimentodeonda) da luz emitida após aquecimento. Justifique.
4.Porque osfilamentosdelâmpada são feitosgeralmente de tungstênio?
Figura 2.6— Tabelaperiódica doselementos, mostrandoapresençados metais,dos metaisde transição, dos elementos não metálicos e suas respectivas distribuições eletrônicas (segundo R.A.Higgins).
4 CAPÍTULO 2
5. Um alvo metálico quando bombardeado com elétrons de alta energia (ou velocidade) emite raios x.Justifique.
6. É possível identificar um elemento químico por meio do comprimento de onda dos raios x emitidos por um material quando bombardeado com elétrons. Justifique.
7. Consulte seus livros de química e explique o princípio da exclusão de Pauli.
8. Considere os átomos com números atômicos 4, 12, 20 e 38. A qual família eles pertencem?
9. Pela posição ocupada na tabela periódica, coloque os elementos puros nióbio, tântalo, tungstênio e vanádio em ordem crescente de densidade e de pontode fusão.
10. Explique o que é enriquecimento de urânio (tecnologia nuclear).
Bibliografia consultada
PADRE LEONEL FRANÇA; S.J. Noções de história da filosofia,2 4a Edição, Editora Agir, Rio de Janeiro, 1990.
ANDRÉS RODRIGUES F. (Editor); Usos pacíficos da energia atômica, Instituto de Energia Atômica, São Paulo, 1967.
BRUCE M. MAHAN e ROLLIE J. MYERS; Química: Um curso universitário, 4ª_Edição, Editora Edgard Blücher Ltda, São Paulo, 1993.
JOHN EMSLEY; Mendeleyev’s dream table, New Scientist, pag. 32-36, 7 March, 1985.
RAYMOND A. HIGGINS; Propriedades e estruturas dos materiais em engenharia, DIFEL, São Paulo,1982.
ERNEST W. HAMBURGER; O que é física, 6ª Edição, Brasiliense, São Paulo, 1992.
OÁ TOMO 45
As Ligações Atômicas
Introdução histórica
Os átomos raramente podem ser encontrados isoladamente. As ligações químicas unem os átomos, porém nem todos os átomos conseguem formar ligações.Doisátomosdeumgásnobre(grupoO ou 18 ou ainda8A databela periódica) exercem entre si uma atração mútua tão fraca que não conseguem formar uma molécula. Por outro lado, a maioria dos átomos forma ligações fortes com átomosda própriaespécie e comoutrostipos de átomos.
Historicamente, a propriedade dos átomos de formar ligações foi descrita como sendo a sua valência. Este conceito é pouco utilizado atualmente. Hoje ele é mais utilizado como adjetivo, por exemplo, elétron de valência ou camada devalência.
Quandooconceitode valência foi introduzidonãose tinhaoconhecimento de elétrons, prótons e nêutrons. O descobrimentodo elétron em 1897, possibilitouo desenvolvimentodas teoriasde valênciae das ligaçõesquímicas.
No início deste século, embora a química estivesse relativamente bem desenvolvida e várias dezenas de elementos químicos fossem conhecidos, os livrosde química não tratavamdas ligações químicas,ouseja,elasnão tinham sidoaindapropostas,emboraoconceitodevalênciativesse sido introduzido em 1857 pelo químico alemão Friedrich August Kekulé von Stradonitz (1829-1896).
Em 1901-1902, o químico norte-americano Gilbert Newton Lewis (1875-1946) tentou explicar a tabela periódica em termos de distribuição eletrônica. O primeiro artigo que Lewis escreveu, onde representou os elétrons por pontos, formando diagramas estruturais, foi publicado em 1916. O conhecimento mais detalhado da distribuição dos elétrons nos átomos só estaria disponível dez anos mais tarde, com o desenvolvimento da mecânica quântica.
Os tipos de ligações
Asligações interatômicaspodem serclassificadas quantoà suas intensidades em ligações primárias ou fortes e ligações secundárias ou fracas.
Asligações primáriassãocercade dez vezesmaisfortesqueas ligações secundárias. As suas energias de ligação são da ordem de 100 kcal/mol (lembre-se que 1 cal = 4,184 J). As ligações primárias podem ser de três tipos: iônica, covalente e metálica.
As ligações secundárias envolvem energias de ligação da ordem de apenas 10 kcal/mol. Embora existam alguns tipos de ligações fracas, elas são geralmente englobadas dentro da designação de ligações de van der Waals.
A figura 3.1 apresenta a variação de energia com a distância para uma molécula diatômica. Quando os dois átomos estão muito distantes entre si, a interação inexiste, de modo que pode-se atribuir o valor zero para a energia de interação entre eles. À medida que R diminui, a estabilidade aumenta, principalmente, em virtude da atração entre o núcleo e os elétrons. Para distâncias menores que a de equilíbrio (Re), a forte repulsão entre os núcleos fazcom quea curva suba rapidamente.
Figura3.1— Diagrama de energia potencialpara uma moléculadiatômica.
48 CAPÍTULO 3
Ligação iônica
Na ligação iônica um ou mais elétrons são transferidos de um átomo eletropositivo para outro mais eletronegativo. A ligação pode ser entendida como resultado da atração entre os íons negativo (ânion) e positivo (cátion). Em uma ligação iônica ideal ocorre uma transferência completa de carga eletrônica de um átomo paraoutro.
Nafigura3.2 é apresentada uma tabela periódicacontendo a eletronegatividade dos elementos,conforme Linus Pauling.
Quanto maior for a diferença de eletronegatividade entre dois elementos, maior será o caráter iônico da ligação entre eles, conforme ilustra a figura 3.3. Os metais situados no lado esquerdo da tabela periódica tendem a perder seus elétrons de valência para os elementos não metálicos do lado direitoda tabela.
A figura 3.4apresentaa formaçãodoNaClpormeiode ligação iônica.
A ligação iônica é encontrada na maioria dos sais e nos óxidos e sulfetos metálicos mais comuns. A simetria esférica dos orbitais do tipo s auxilia nocaráter nãodirecional destaligação.
Figura 3.2—Aeletronegatividade dos elementos segundoLinusPauling.
AS LIGAÇÕES ATÔMICAS 49
Ligação covalente
Na ligação covalente, um ou mais elétrons são compartilhados entre doisátomos,gerando umaforça de atração entre os átomos que participam da ligação. Este compartilhamento é muito comum na maioria das moléculas orgânicas.
A ligação covalente resulta da interação de átomos que apresentam suas órbitas de valência quase saturadas de elétrons. Nestas condições, seus elétrons de valência passam a orbitar indiferentemente nos átomos envolvidos.
Se um par de elétrons compartilhados constitui uma ligação simples, então ligações duplas e triplas implicam no compartilhamento de dois e três pares eletrônicos, respectivamente.
A ligação covalente apresenta freqüentemente características de direcionalidadepreferencial. Emoutras palavras, ela geralmente resultaem um determinado ângulo de ligação, como ilustra a formação da molécula de água da figura 3.5. A direcionalidade deste tipo de ligação tem origem em orbitais do tipo p.
Figura 3.3—Efeitodadiferençade eletronegatividade no caráteriônico. 50 CAPÍTULO 3
Em uma ligação covalente ideal, os pares de elétrons são igualmente compartilhados.Na ligaçãocovalente doH2O, porexemplo,ocorreuma transferência parcial de carga fazendo com que o hidrogênio fique levemente positivo e o oxigênio, levemente negativo. Este compartilhamento desigual resulta em uma ligação polar. Somente em casos onde os dois lados da molécula são idênticos, como no H2 en oN 2 , a ligação é totalmente apolar. As ligaçõesentreátomosdiferentestemsemprealgum grau de polaridade.
Aligaçãocovalente é a principalresponsável pelaformaçãodas estruturas moleculares dos compostos orgânicos e pelas estruturas macromoleculares dos polímeros. É importante destacar, que no caso dos polímeros, a ligação entre os átomos na cadeia da macromolécula é uma ligação covalente muito forte, enquanto as ligações intercadeias, que mantém as macromoléculasunidas,são ligações secundárias fracas.
Figura 3.4— Formação docloretode sódio por meio de ligaçãoiônica.
AS LIGAÇÕES ATÔMICAS 51
Alguns compostos cerâmicos, tais como SiC e BN, têm caráter covalente predominante. Outro material que tem ligação covalente predominante é o diamante (carbono).
Ligação metálica
Os metais têm um, dois ou no máximo três elétrons de valência. Estes elétrons não estão ligados a um único átomo, mas estão mais ou menos livres para se movimentar por todo o metal. A figura 3.6 ilustra a ligação metálica entreátomos de sódio.
Figura 3.5— Formação damolécula de água por meio de ligação covalente.
52 CAPÍTULO 3

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